DNA
Barulhos pela encenação mais pessoal
Por Fabricio Duque
Durante o Festival Varilux de Cinema Francês 2020
Não é só o novíssimo cinema italiano que vem aceitando perder suas essências, influenciadas pelas estrutura hollywoodiana de se fazer filmes, mas também o novo cinema francês. Se o primeiro transmutou seu realismo em melodrama, o outro se enveredou pela encenação da naturalidade, o que antes era cinema direto de cotidiano atravessado. Exibido no Festival Varilux de Cinema Francês, após ter sido selecionado oficialmente à edição não acontecida do Festival de Cannes 2020, “DNA” (representante dessa nova geração francesa de se fazer cinema), quinto-longa-metragem da realizadora Maïwenn (do excelente “Polissia” e atriz em mais de quarenta obras, incluindo neste filme em questão aqui), é um projeto pessoal. Talvez pessoal demais.
Dessa forma, “DNA” precisa de uma incondicional cumplicidade do espectador para que se mitigue criticas às fragilidades do roteiro (comportamentos construídos pelo conforto e pela obviedade), da direção (buscada pelo tom apenas ensaísta) e especialmente de seus atores (que interpretam uma ideia da própria encenação e não a internalização naturalista – a lágrima de um olho só, por exemplo). Não se sabe se essas escolhas pelo caminho fácil, quase de preguiça estrutural, possam ser explicadas pela relação de Maïwenn com a Argélia. Bem recentemente, Karim Aïnouz apresentou seu poético documentário “Marinheiro das Montanhas” no Festival de Cannes. Parece que, o que já foi pensado aqui, embase concretismo às opiniões. Projetos pessoais tendem à perda de parâmetros, alterando noções da racionalidade criativa, e ao amadorismo da formas narrativas, como as conversas que se nivelam na superfície, talvez por medo de acessar algo mais profundo (e doloroso) e/ou por intenção terapêutica de tornar o drama existencial em ficção. Assim, a trama segue por instantes. Um que de fragmentos captados e explicitados na edição que utiliza o corte como guia condutor.
O longa-metragem atravessa seu próprio limite de pessoalidade. A ingenuidade o olhar vira um inocência caseira. Não aquela que resgata a sinestesia dos encontros com familiares idiossincráticos, mas sim a de soar como uma estendida, livre (e sem apuro técnico) filmagem VHS em que se grava desconfortáveis (e de pena) verdades de uma idosa, e/ou os banhos ao som de Hip Hop e maconha no pós, por exemplo. “DNA” é sobre um resgate em livro da história desse ente próximo. As fotos, a infância do pai-avô na Argélia (“um sonho”), que geram choros emocionados, as “gravatas”, e logicamente conflitos de um deles (os responsáveis pela organização, entre filhas, netos, bisnetos) por achar “tradicional”, que levam a brigas com a “Amy Winehouse e essa maquiagem toda”. E escândalos cavados. Mas aos poucos “DNA” cutuca os problemas sociais da França, como o calor do hospital e a falta de enfermeiras (descaso dos funcionários – fumando ao invés de trabalhar). e o tratamento arrogante, agressivo e sem estabilidade emocional no retorno nas respostas, com música sentimental que encenam o sofrer e com a trilha sonora natal para ambientar o passado. “Uma vez na vida vocês não podem ficar quietos”, grita-se e tira fotos do morto (costume antigo – querendo a naturalidade em lidar com a morte (“a diferença entre suicídio e morte natural” e/ou o barulhos dos parafusos para fechar a urna) e não a morbidade de moral conservadora). Que França é essa de hoje que eles vivem? Que não ha nenhum segundo para sentir o luto? Que pragmatismo robótico é esse em se “livrar” do outro? Talvez estas sejam as perguntas a desvendar, entre protocolos, convenções e rituais.
“DNA”, que integra a edição especial do Festival do Rio no Telecine, começa mesmo após um preâmbulo de quase trinta minutos. As escolhas “psicológicas” sobre o “mostruário” do caixão que desencadeiam desavenças e “bufadas” guardadas. Cada um ali representa um papel. Um exemplo estereotipado (típico em entes tão diferentes de uma família). Brigas, confusões, gritos, enervações, recriminações, agressões. “Não se leve para a tristeza”, diz-se sobre o “masoquismo”. É um filme de núcleos. O humor espirituoso, por exemplo, vem da personagem de Louis Garrel, “que ganhou peso”. “Sabe o que é um pedófilo? Alguém que gosta de fio”, faz graça. “DNA” é um olhar peculiar e perspectivo da diretora (“tóxica”) sobre um povo já afrancesado, trazendo fotos de épocas, bandeira da Argel e discursos ficcionais sobre o confronto entre laicidade e religião e com gatilhos comuns de absorção emotiva e câmeras lentas de epifania (para re(olhar) o redor.
O longa-metragem, agora, com um que estrutural do movimento dinamarquês Dogma 95, tenta cavar mais desentendimentos entre eles, por colocações polêmicas, quase irracionais e sem conseguir parar, de “colocar loucos no mundo” (dito pela personagem interpretada por Fanny Ardant – que traz uma maturidade irritada). “DNA” adentra em outro desdobramento da trama. Neige (Maïwenn) precisa se encontrar. Descobrir realmente quem é. Usando a tecnologia moderna para acessar sua raiz. Pelo DNA. Onde está essa Argélia desconhecida? Receber a nacionalidade de lá. Fazer pedidos invasivos. E aprender a lidar com o amor, a raiva e ódio que sente ao mesmo tempo por seus familiares. E respeitar as decisões, iniciadas em sonhos. De ser francês e pronto. Tudo é muito construído na base de uma geração “desnutrida”, de jovens-adultos, que não consegue ouvir nenhum não. Que quer tudo e logo. Que vive intensamente e de forma egoísta as fases. E que obriga os outros a ter que resolver seus problemas pessoais, comportando como crianças à espera dos “pais”.
Não, não é assim Maïwenn que se “ganha” a batalha e o espectador. “Quanto mais barulho fizer, mais você é argelina”, explica-se quando se bebe um chá. Será essa o porquê de se gritar tanto, encenando o excesso? Será uma crítica a essa França que “afogou argelinos” (imagens documentais) no rio e que fala tão alto? A retórica questiona, em árabe, inclusive, a ideia do ouvir sem entender seus significados. Um novo mundo. Uma nova terra. Uma nova Argélia. Mas com as mesmas questões. Talvez tenha faltado à diretora conversar com Karim, apesar de seu final ter referências (não propositais) de “Nardjes A.”. Mas será que ela será feliz lá? Ou apenas deveria “amar sem dizer”?