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Diário de Sintra

Matéria e memória

Por Vitor Velloso

Diário de Sintra

Paula Gaitán, cineasta, poetisa e artista, de brilhantismo inequívoco revisita memórias em “Diário de Sintra” e nos permite olhar ao Glauber de intimidades e histórias diversas. Diferentemente de outros textos sobre obras de Gaitán, onde evito citar o cineasta, para reforçarmos seus louvores, aqui isso será inevitável.

A obra se apresenta como uma espécie de ensaio, tratando do que já está presente no título, memórias, relatos e reflexões em Sintra. Por esse caráter estritamente pessoal, a obra soa inacessível por muitos momentos, sendo costurada em lampejos de falas acerca da estética, política, Marxismo etc. Nestes breves recortes, o espectador compactua com a construção de um pensamento de origem dialética, que recusa uma concepção burguesa e passa a transar veementemente com uma frente cinematográfica que busca as reflexões em suas falas mais espaçadas. É sim uma vertente do “cinema de fala mansa”, não há como negar.

Há uma exaustão na imagem, que contempla poemas e suspensões geradas pelo texto, mas que acabam provocando alguns bocejos pela questão mais formulaica dessa relação, que acaba fluindo em solo mais estoico do que as próprias concepções. E neste campo parte das ideias vão se diluindo em um cinema que torna-se sacristia da própria pirotecnia europeia. O longa de Gaitán acaba transando com frentes de um cinema que se alimenta da herança intelectual e estética do velho continente, uma espécie de saudosismo memorial que pouco provoca a reflexão, mas são disparados como monumentos de uma luta política e artística que se propõe em ordem distinta. Por este caminho, “Diário de Sintra” acaba soando um projeto de sinceridade notória, mas de linguagem repleta de arestas que impedem o filme de conseguir se organizar para funcionar como um todo. O ritmo se dilatar para compreender o texto, as imagens e os sons em um tempo que caiba enquanto memória e experiência, está longe de ser uma problemática que contamine as rédeas do longa, mas acaba tirando parte da voracidade de algumas falas, especialmente as de Glauber.

Na esteira de uma composição da estétyka do sonho, Glauber defendeu a ruptura com os racionalismos dos colonizadores em defesa de um “irracionalismo liberador” sendo esta “a mais forte arma do revolucionário”. “Diário de Sintra” parece assimilar certos conceitos propostos no famoso texto, mas não rompe com uma formalização desse mesmo racionalismo. Está certo que a obra não se propõe a ser um ensaio cinematográfico do texto, mas concede uma imaginação em torno de algumas reverberações possíveis, já que se conscientiza do materialismo como uma força revolucionária que não pode ser abarcada pelas forças imperialistas, reacionárias e burguesas.

Algumas ideias envolvendo fotos e depoimentos sobre a família de Glauber e as memórias que envolvem suas produções, soam bastante diretas e funcionais, mas acabam deslizando no mar de material que não parece se encaixar para construir uma unidade mais sólida em torno da experiência. Diferentemente de “Uaka”, “Diário de Sintra” não se concentra tanto no poder de sua montagem para concatenar as imagens e os sons afim de um registro, aqui a manipulação dessa imagem soa um artifício mais consciente da própria articulação, menos primitivo, buscando uma síntese na dialética que cruza todo o projeto.

Embora seja um passo adiante no processo cinematográfico e uma experimentação que possui méritos notórios, principalmente em como se assimila dois campos estéticos de naturezas diferentes em torno da memória e de um registro que soa embaçado, o filme finda em uma força monótona que jamais engrena nenhum de seus momentos em torno de vulcanismos reflexivos e digressões de uma linguagem. Por essa razão, parece transar com dois universos distintos mas culmina em um platô que não se torna tão frutífero.

“Diário de Sintra” é uma obra importante para compreendermos toda a carreira de Gaitán e suas forças em torno de um cinema que não abraça purismos diversos, mas está sempre a procura de algo. É uma espécie de escavação cinematográfica através da forma e da misancene (por Glauber). E ainda que o longa esteja quebrando por completo essa síntese final, sem dúvida é essencial para que possamos debater o que se tornou o conceito, na própria trajetória da cineasta.

2 Nota do Crítico 5 1

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