Depois da Caçada
O autor e a agência
Por Vitor Velloso
Festival do Rio 2025
Se “Até os Ossos” (2022) indicava uma possível mudança na carreira de Luca Guadagnino, trazendo uma possível decadência, “Rivais” (2024) retomou um diretor interessante para os padrões industriais norte-americanos, que apostava em algum caráter diferencial na construção dramática, por meio do desejo e da performance. “Depois da Caçada” é um projeto que se debruça sobre algumas dessas temáticas, do desejo a uma tensão sexual quase constante em determinadas interações, mas que se torna um exercício ignóbil de intelectualismo tacanho e de crítica a uma série de temáticas contemporâneas e acadêmicas que não se sustentam nem como mero dispositivo narrativo nem como análise de um contexto mais amplo da sociedade atual.
Aqui, Luca propõe um exercício psicanalítico de bar, de uma superficialidade constrangedora, e uma proposta tão esquemática, maniqueísta e esnobe que todas as suas investidas formais, truques que poderiam funcionar em alguma medida, tornam-se uma agonia e uma ânsia que imploram o fim da tormenta. O roteiro, assinado pela estreante Nora Garrett, é um quadro explicado e formatado para o caráter expositivo, com as peças desse tabuleiro absolutamente oferecidas ao espectador, no qual cada movimento é previsível, de características óbvias e baseado em arquétipos tão fundamentados no senso comum que poderia render algo interessante justamente pelo referencial expositivo. Contudo, o desenvolvimento de “Depois da Caçada” é programado para ser reativo, funcional e etapista, nunca em progresso ou exponencial, como sugere. A lógica de apresentar a academia como um antro de víboras, particularmente óbvio, com citações descontextualizadas, de caráter constrangedor, com reflexões psicologizantes na figura de Frederik (Michael Stuhlbarg) e “críticas” ao identitarismo e à geração Z é tão reconfortante, especialmente em um contexto político tão polarizado, que Luca mergulha de cabeça nesse esquema provocativo e banal, apelando para uma câmera que procura os “detalhes” dessas tensões, com closes rígidos e sem nenhum tipo de rigor formal. Aliás, existem algumas discussões entre Hank (Andrew Garfield) e Alma (Julia Roberts) que nem a novela mais fajuta poderia conceber.
O problema aqui não é o conceito de estruturar essas situações como pontos de interesse, seja o olhar, o abraço ou o detalhe da mão, mas sim o ritmo com que essas imagens se apresentam. A montagem, assinada por Marco Costa (“Rivais” e “Até os Ossos”), é mimética em um nível que impede o espectador de refletir sobre determinado tema, sobre a complexidade de seus personagens, inexistente, é verdade, ou sobre como esses agentes se comportam e performam diante de uma determinada circunstância; pelo contrário, guia o espectador de uma forma quase ofensiva.
Se a ideia era criar uma estrutura provocativa, tudo cai por água abaixo quando o projeto grita o tempo todo para o público: “Vejam esse olhar por cima do ombro! Vejam esse olhar de víbora! Vejam isso e aquilo!”. O espectador não tem como ter uma leitura da suposta complexidade narrativa porque o filme não permite que seus próprios personagens saiam de um lugar específico de funcionamento rápido e prático. Não por acaso, personagens saem e voltam à narrativa para cumprir esse desejo insano de provocar sensações baratas e frágeis, como uma espécie de agitprop intelectualoide e conservador, pois, afinal, as críticas ao universo acadêmico e ao contexto contemporâneo de narrativas, fake news e acusações, ou isenções, para benefício próprio, não passam de um esquema maniqueísta de um filme que não sabe sobre o que quer falar, o que pretende debater e aonde entende que quer chegar. Assim, Luca Guadagnino estrutura o longa por meio de um cinismo que aponta o dedo para o espelho, acusando seus personagens de algo que ele próprio se torna.
Assim, se “Depois da Caçada” questiona esse lugar do cinismo e das relações “trampolim”, por que tratar todas essas temáticas de forma tão cínica e demagoga? Por que impedir a reflexão de qualquer particularidade de um roteiro que vai se avolumando em temáticas, mas se encerrando em pequenos gadgets preguiçosos que travam o próprio desenvolvimento? Por que utilizar esses desejos, tão comuns na cinematografia de Luca, para fazer pequenos experimentos em uma estrutura tão padronizada? Não é por acaso que a trilha sonora, assinada por Trent Reznor e Atticus Ross, grita o filme inteiro, implorando para ser notada, com momentos tão patéticos que precisam da afirmação de uma interrupção desse ritmo de relógio no rosto de Julia Roberts para indicar um momento dramático.
O caráter patético dos personagens é apenas um reflexo de um filme que seduz o espelho, jurando ser o par perfeito, em um exercício narcísico, redundante e deprimente.


