Preguiça cinematográfica
Por Vitor Velloso
A diretora Lynne Ramsay conquistou os olhos de diversos cinéfilos ao realizar “O Lixo e o Sonho”, onde evocava um formalismo aliado a uma força dramática que varreu prêmios e elogios. Em “Morvern Callar”, falhou terrivelmente e provou que toda essa pretensão formal possuía uma fragilidade imensa, sua própria construção. “Precisamos Falar Sobre Kevin” é parcialmente eficiente, por se tratar de um roteiro não original, Lynne se prendeu em elementos narrativos levemente mais concretos. “Você Nunca Esteve Realmente Aqui” é sua tentativa de fazer as pazes com a dita “Art house”, mostrando que todo seu valor formal é uma desculpa barata a fim de ser ovacionada por pretensiosos e categóricos de plantão, curiosamente, ela só agradou parte do próprio público-alvo.
Na trama “Joe” (o ator Joaquin Phoenix), um veterano de guerra, aceita, como trabalho, resgatar “Nina” (a atriz Ekaterina Samsonov), filha do Senador, de uma instalação onde ela é mantida como escrava sexual. As coisas saem do controle e ele deve tentar protegê-la a todo custo. É mais bobo do que parece. Joaquin Phoenix tenta segurar o projeto, mas não tem condições, Ramsay é uma das maiores picaretas do cinema contemporâneo. Tudo aqui soa tão falso, tão poser, tão pseudo e tão… nada, que demonstra o quanto a produção para os categóricos de nariz em pé metidos a besta da “Art house” são verdadeiros hipócritas. Todo o formalismo é para soar algo que eles admiram mas não conseguem alcançar, uma das tentativas de pegar atalho na ascensão rápida no cinema é conseguir agradar este público, não à toa vemos que ano após ano a opinião no Festival de Cannes parece cada vez mais polarizada e menos dialética.
É claro que não começou com a Ramsey, ela apenas deu continuidade a um conceito que nunca existiu, e foi criado e replicado por pseudo-poser-cinéfilos ao redor do mundo e incorporado por alguns cineastas. Enquanto vemos a cineasta tentar criar um personagem aparentemente rígido, enquanto resposta a tudo que assistiu e vivenciou, o que se reflete no físico do personagem, conseguimos enxergar como ela estava perdida na construção dramática do longa e decidiu abrir tudo para uma auto-decadência burguesa empobrecida, fruto desses diretores baratos tão aplaudidos por um nicho fajuto. Essa entrega a uma narrativa dissolvida, que busca uma experiência mais sensitiva, o que justifica a trilha sonora do Jonny Greenwood, não é necessariamente um problema, mas sim, a forma como ela é entregue ao público. Não dá para negar que Ramsey tem algum talento, o que incomoda é ter que ver uma diretora com um potencial formal decente, se render a uma mediocridade tão grande quanto a que ela realizou.
O contraponto total de sua direção é o Joaquin Phoenix, que ganha vida própria e abandona o filme. Claro, que há algum trabalho de direção dela por trás, mas é difícil enxergar como a mulher que dirigiu este troço, também dirigiu o ator a um trabalho sólido feito esse. Onde vemos um homem brutamontes, com um temperamento mínimo, sempre prestes a explodir. Não que isso seja alguma novidade, este tipo de personagem está ficando cada vez mais comum no universo narrativo, talvez por uma exposição maior após o bombástico lançamento de “The Last of Us”, onde se integrou uma possibilidade necessariamente experiencial com uma brutalidade invariável. É exatamente onde o filme tenta chegar. Passa muito longe, fica num dramazinho barato entre ele e a garota, tenta iniciar uma trama política super mal desenvolvida, apelando para o elemento da psique-inexplicável-humana, passando uma vergonha terrível.
É difícil falar de autoria aqui, pois as referências são abundantes, mas a colagem é feita de forma preguiçosa. O que irá definir a audiência será a paciência de aguentar uma hora e meia de nada, somado ao pretensiosismo, nada irreverente. Pois, o tempo passa de forma muito lenta durante a projeção, você sai cansado, não por causa do roteiro ou da direção, como no caso do Béla Tarr, o que, é claro, seria um elogio. É um cansaço de tentar ser enganado o tempo inteiro. E como já dizia o Zé do bar: “Quer mentir pra mentiroso?”. Não cola.
É melhor que “Morvern Callar”, o que é não é um exercício tão difícil, mas está longe de ser aquilo que se esperava da diretora. Ramsey entra para a lista das decepções gerais, de muitos. Junta com Tomas Alfredson, eles farão uma bela dupla na longa tábua dos esquecidos se continuarem desta maneira.