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Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa

Submundos de uma juventude anticonformista

Por Fabricio Duque

Mostra de São Paulo 2013

Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa

“Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa” utiliza-se da premissa existencialista do movimento “beatnik”, explicitado já no título, que é um trecho de “Uivo” (poema de Allen Ginsberg*) e que é caracterizado pelo submundo de uma juventude anticonformista. O diretor brasiliense Gustavo Galvão (de “Nove Crônicas Para Um Coração Aos Berros”) apresenta um ‘road movie’ que traduz ao “movimento físico” o “movimento emocional e intelectual”. Os personagens (erráticos e dúbios) “fogem” de suas zonas de conforto e tentam encontrar algum sentido em suas vidas tediosas e fadadas a uma mesmice resignada (“Ao fugir da ordem, propôs uma nova ordem”).

Tanto que a frase mais respondida em “Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa” é “não sei de mais nada”. Substitui-se o “descanso mental” do cotidiano programado, repetitivo e previsível por “uma dose violenta de qualquer coisa”. Não se espera nada, mas se aceita sem ressalvas. É nesse caminho que a narrativa conduz seu espectador. Pela naturalidade realista de seus diálogos propositais de amadorismo e por seus atores (Vinícius Ferreira – o “necessitado” contido no medo a se transformar; Marat Descartes – o “deboche”, o “escracho” e a loucura procurada; e Leonardo Medeiros – o “Jesus paraguaio” salvador do “Santo Daime”), que se entregam à filosofia de compaixão, amizade, individualismo, personalidade, crueldade e liberdade assistida (deseja-se a solidão, mas não sentida sozinho).

Em “Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa”, há contraste nos paradigmas apresentados de aliterações, assonâncias, metáforas e “viagens” lisérgicas e sensoriais no próprio estágio atual vivenciado. As referências fílmicas (“Sem Destino”, “Um Drink no Inferno”), musicais (“Faroeste Caboclo”) e de diretores (como Quentin Tarantino) estão presentes e ajudam, por incrível que pareça, a equilibrar a “bagunça” do roteiro não linear e de elipses temporais da construção de ações e reações. Chega a ser um desrespeito aos outros atores ter a interpretação visceral, intensa e magistral de Marat Descartes aqui ou em qualquer outro filme. Não há limites para ele, tampouco clichês.

Aqui, busca-se a importância de uma melhoria do ser interior de cada um, a contracultura “submarina” (de dentro para fora) e o pensamento acima das posses materialistas. “De repente precisamos decidir se queremos retomar o caminho que idealizamos quando mais novos, ou se cedemos à vida que temos”, “Isso ocorreu comigo e com todos os meus amigos, quase sem exceção”, disse o diretor. Os protagonistas “tomaram efetivamente a decisão de mudar” e assim embarcam na própria “viagem” do autoconhecimento, experimentando limites e angústias, “diferenças e contradições”, causas e consequências, vivenciando plenamente a catarse como indutor de coragem e mitigador da covardia que é intrínseco ao ser humano. Eles querem a adrenalina do novo, o frio na barriga e o não se saber nada, e são “arremessados” a própria sorte, prendendo-se ao acaso para a sobrevivência instantânea de se acordar e esquentar alguma parte do corpo que os mantêm vivo.

“Uma Dose Violenta de Qualquer Coisa” não é um filme fácil e que bom que não é. Faz o espectador se questionar, entre jazz “rasgado” e “impuro”, o deixa vulnerável na cadeira do cinema, o retira da zona de conforto e o desafia até a última dose. Exibido na Mostra Internacional de Cinema de São Paulo 2013, o longa-metragem está apenas um horário no Espaço Itaú de Cinema no Rio de Janeiro, às 22 horas. Não Perca e aceite o desafio proposto!

*“Eu vi os expoentes da minha geração destruídos pela loucura, morrendo de fome, histéricos, nus, arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada em busca de uma dose violenta de qualquer coisa”.

5 Nota do Crítico 5 1

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