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Um Dia

Um bom estudo de personagem

Por Pedro Guedes

Um Dia

“Um Dia” poderia formar uma sessão dupla interessante com o recente “Tully” – isto é, se os dois filmes não fossem tão distintos em termos de ritmo e estilo. Revelando-se um estudo de personagem bastante eficaz, o longa húngaro que marca a estreia de Zsófia Szilágyi na direção leva o espectador a conhecer e se interessar por cada nuance da protagonista, que passa o tempo todo lutando para equilibrar a maneira como mantém seu emprego, cria seus filhos e administra sua família. Trata-se, portanto, de um filme sobre… uma mãe. E se isto parece trivial demais para render uma hora e meia de material, “Um Dia” mostra que até os eventos mais simples e casuais podem (e, em alguns casos, merecem) ser transpostos para o Cinema.

Roteirizado também por Szilágyi ao lado de Réka Mán-Várhegyi, o longa gira entorno de Anna, uma mulher que trabalha diariamente, cuida de três crianças e divide a casa com o marido Szabolcs. À medida que o tempo passa, porém, os muitos compromissos administrados por Anna começam a sobrecarregá-la, o que culmina em uma quantidade cada vez maior de estresses. Com um banco telefonando frequentemente para sua casa a fim de cobrá-la por uma dívida antiga, a mulher percebe que seu casamento também pode estar prestes a terminar e que seus filhos não andam tendo um desempenho muito satisfatório na escola. E o que Anna pode fazer? Nada; apenas observar seu colapso.

Não se trata de um filme que se dedica a contar uma história específica, como podem perceber. Em vez de narrar uma trama com início, meio e fim específicos, “Um Dia” prefere apenas mostrar para o espectador quem é Anna, como ela reage diante das dificuldades que surgem progressivamente em sua vida e o que ela pode (ou não) fazer para combatê-las. Assim, a diretora Zsófia Szilágyi é especialmente bem-sucedida ao criar a atmosfera claustrofóbica e sufocante que se mantém do começo ao fim da projeção – e um dos maiores méritos da cineasta consiste na forma como ilustra a passividade de Anna, que reconhece que sua vida está desmoronando e é obrigada a ver isto sem conseguir impedir.

Aliás, é sempre bom quando um(a) diretor(a) que ainda está estreando na função exibe um domínio total ao conduzir a narrativa: alcançando o equilíbrio certo entre os momentos mais introspectivos e aqueles mais intensos (como aquele onde Anna se envolve numa briga na hora de estacionar o carro), Szilágyi acerta ao criar longas cenas que se dedicam somente à interação entre a protagonista e sua família – o que serve não só para estabelecer a dinâmica entre ambos, mas para levar o espectador a se identificar com os dramas retratados na tela. Além disso, Szilágyi encontra espaço para desenvolver o marido e os filhos de Anna, que têm personalidades bem definidas e ganham a oportunidade de protagonizar algumas passagens significativas.

É uma pena, porém, que Szilágyi demonstre uma autoindulgência na hora de decidir – junto ao montador Máté Szórád – quais cenas devem ou não entrar no corte final do filme: esticando além do necessário algumas sequências que poderiam ser reduzidas (ou inteiramente descartadas), “Um Dia” torna-se mais longo e cansativo do que precisava, o que inevitavelmente enfraquece o resultado final (e nunca é um bom sinal quando uma projeção que dura apenas 90 minutos parece maior do que realmente é). Como se não bastasse, a própria narrativa conta com alguns devaneios ocasionais, como se o filme estivesse perdendo tempo com informações que pouco tem a ver com o real propósito da obra (no caso, mostrar o colapso de Anna).

Frustrante também em seu desfecho, que soa abrupto e inconclusivo demais, “Um Dia” pode até ser mais longo e menos objetivo que o necessário, mas isto é devidamente compensado pela excelente performance de Zsófia Szamosi, que encarna de forma certeira todos os dilemas internos da protagonista sem apelar para a obviedade – ao contrário: apostando sempre na sutileza, a atriz transforma Anna em uma protagonista complexa que guarda, debaixo de seus maneirismos contidos e estáveis, uma amargura notável que, às vezes, parece precisar de uma catarse.

No fim, o fato é que Zsófia Szilágyi já se provou uma diretora com potencial. Agora, resta esperar para conferir seu próximo projeto, descobrir se ela faz jus à sua boa estreia e, claro, torcer para que ela corrija alguns de seus excessos.

4 Nota do Crítico 5 1

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