Maneirismo histórico
Por Vitor Velloso
Durante o Festival Varilux de Cinema Francês 2018
Depois de diversas sessões envolvendo filmes medíocres ou ruins, às vezes, o Varilux reserva uma pequena surpresa no meio do festival. “Troca de Rainhas” é uma dessas pequenas surpresas.
Com um plot bastante simples, o longa dirigido por Marc Dugain, investe na estética de época e na fotografia com cores vibrantes, a fim de cativar o público pela sua plasticidade e pelo carisma de alguns personagens, ou o contrário. Na trama, em 1721, a Espanha e a França fazem uma aliança que é simbolizada através da troca das futuras rainhas. Basicamente, Luis XV (Igor Van Dessel), 11 anos, é obrigado a se casar com Maria Anna Victoria (Juliane Lepoureau), 4 anos. E a França também oferece a filha, Louise-Elisabeth (Anamaria Vartolomei) de 12, ao príncipe herdeiro Louis, de 11 anos. Assim, a base dramática do roteiro é sintetizar todo esse espírito decadente em torno da monarquia, que ignorava as vontades dos herdeiros, “por um bem maior”, o país. Claro, que no fundo trata-se apenas de um ato político que busca perpetuar as famílias no poder ao longo das gerações.
As personagens, são as duas meninas, sem dúvida, não à toa o nome do filme. A relação que Maria cria com Luis XV é divertidíssima, pois, ela tenta seguir a cartilha e ser “uma boa esposa”, com seus quatro anos de idade, e Louis se força a ser o mais estéril possível nessa relação, mantendo-se apenas enquadrado no modelo político da época. Enquanto do outro lado, temos o príncipe herdeiro apaixonado por sua futura esposa, mas, ela não corresponde a este desejo, sendo obrigada o tempo inteiro a fazer suas tarefas, sempre que consegue, faz o oposto. Essas relações que motivam as personagens, são a força dramática, mas não dá para negar que o motivo real das pessoas se interessarem pelo filme, é sua beleza. E que belas imagens são compostas aqui. Figurinos luxuosíssimos, imensos palácios, geralmente muito vazios, são grande parte da cenografia imposta aqui. É nítido que o diretor toma partido quanto a esta forma de governo, pois, a morbidez que ele impõe junto ao diretor de fotografia, Gilles Porte, é notória. Apenas em Macbeth do Justin Kurzel, vi mais enxofre nas belas sedas da realeza, e com razão.
Se o chorume ideológico impregnado na mente do período é utilizado como ponto de partida, ele passa a ser debatido intensamente através das personagens e das relações que elas possuem com a sua conselheira, uma espécie de guia, que busca ensiná-las a serem rainhas. E é óbvio que tratando-se do século XVIII e de monarquia, a misoginia era algo ainda mais naturalizado que é hoje, logo, existia uma etiqueta de como ser uma boa esposa, sem atrapalhar nas decisões políticas. Detalhe, apenas a interferência já seria um absurdo, mas na visão do corpo ideológico retrógrado, que infelizmente lembra algumas pessoas da nossa política atual, a interferência política de uma mulher, era, literalmente, atrapalhar. Por isso, diversas etiquetas forçadas a jovem Louise-Elisabeth, a irrita tanto, pois ela percebe não só o jogo de poder em seu plano macro, entre as nações, mas dentro do próprio palácio onde ela vai morar pelo resto de sua vida, contra sua vontade.
E com suas belíssimas imagens, “Troca de Rainhas” segura o espectador, pela beleza de suas locações e direção de arte em geral, mas esquece que isso tem um preço. Essa repetição constante temática e imagética, arrasta o tempo de uma maneira indevida. É possível dizer que é um filme lento e que usa essa extensão de tempo de uma maneira, nem sempre tão inteligente. Criando pequenas válvulas de comédia e distração dentro da seriedade de alguns personagens. O que ajuda a fazer o ritmo da narrativa fluir, mas interrompe, diversas vezes, outro fluxo que era construído e vinha em uma crescente. Por isso, ao assistir ao longa, é possível ter a impressão de estar em uma esteira em determinados momentos, onde muito se esforça para conseguir alcançar algo, mas raramente é efetivo esse esforço.
No fim, “Troca de Rainhas” acaba sendo um projeto divertido e, por incrível que pareça, atual em algumas questões, sempre trabalhando a época como uma âncora narrativa, para que alguma fidelidade seja mantida, até mesmo para o ponto de vista histórico. Agora, dependerá de uma certa disposição do espectador para investir emoção em uma construção, já batida no cinema e que vêm cansando cada vez mais, pelo excesso de repetições, com exceção de “Lady Macbeth”. O maneirismo quando é bem utilizado, é uma ferramento quase infalível.