Torre. Um Dia Brilhante
Um Dogma polonês
Por Fabricio Duque
Festival de Berlim 2018
Há duas formas do espectador receber e interpretar o novo filme “Torre. Um Dia Brilhante” da polonesa Jagoda Szelc (de trinta e quatro anos e estreante na direção de um longa-metragem): como uma homenagem estilística ao manifesto dinamarquês Dogma 95 , criado por Lars von Trier e Thomas Vinterberg ou como uma imatura cópia do mesmo movimento que revolucionou a moderna sétima arte.
O longa-metragem segue à risca as regras “voto de castidade” dinamarquesas. Câmera na mão, próxima (aprofundamento a sensação de intimidade caseira quase documental – consentidos todos os movimentos – ou sua imobilidade); luz natural; som ambiente; e história simplificada com uma hipócrita quebra da moralidade. E com a presença da religião que padroniza as rotinas e tarefas. Logicamente há certas liberdades contrárias, que encontram o Lars atual, mais próximos a “Anti-Cristo” e “Melancolia”, como o crédito da diretora e da indução a um filme sobrenatural de gênero, principalmente pelo elemento temporal etéreo do final.
É um confronto da humanidade com a própria humanidade enquanto indivíduos sociais. Suas personagens adentram em um teatro das próprias vidas, sendo encenadas no realismo ficcional, ajudadas pela narrativa fragmentada (de ações elipses) que corta propositalmente a cena e a trabalhada emoção. E pela direção que os solta livremente, fazendo com que eles mesmos sejam responsáveis pelas consequências, por instantes amadores captados.
“Torre. Um Dia Brilhante”, exibido na mostra Fórum do Festival de Berlim 2018, é uma crónica dramática de uma família em seu vilarejo no interior da Polônia que precisa lidar com a chegada personificada da verdade. De um drone de segurança, aéreo e técnico, a uma câmera mosca, personagem e invasiva.
O filme constrói um cotidiano direto com um limite de até onde o filme pode ir pela presença da câmera que apenas está ali para registrar os acontecimentos e nunca o contrário. “Torre. Um Dia Brilhante” preocupa-se tanto com a forma que acaba por deixar a história aberta demais. Nada contra este artificio narrativa, tanto que os Irmãos Coen são mestres absolutos. O que realmente incomoda é uma ingênua pretensão. Uma inocência quase infantilizada ao criar as sensações (a cena de um cachorro cavando é uma dessas gratuidades e ou as crianças fazendo algazarra na Igreja). Um querer objetivado para estender a duração fílmica?
Assim, nós somos elencados em improvisações realistas, no limite tênue do ensaio e do resultado final. É aflitivo, pois nossa condução humana sempre espera a derrubada. Isso cria uma tensão não imersiva, que nos distancia da trama e nos expõe a uma encenação de uma espontânea interpretação. Contudo, isso também nos apresenta um novo sentimento sobre a ambiência de um filme. Neste ponto, é inovador e diferente.
“Torre. Um Dia Brilhante” é acima de tudo um naturalizado Thriller existencial. Como foi dito, não se sabe se a estrutura Dogma 95 foi homenagem e ou cópia. Mas apesar de suas simplificações, com complexas reviravoltas do roteiro, de bruscas ações-joguetes impostas, não podemos negar que há um que a mais. Um elemento oculto que merece e necessita ser estudado com mais profundidade. Uma iminência da salvação com a destruição. Ou vice-versa.
“É um conflito entre o hemisfério esquerdo e o direito. Eu tenho coisas em comum com as duas irmãs – não muito, porque eu não me baseio em nenhum personagem e não me apresento em meus filmes. Não é psicoterapia para mim. Eu fiz um filme sobre a necessidade de perder o controle. Pensamos que somos os donos do mundo, quando na verdade somos apenas locatários. A humanidade está em um momento crítico – a superprodução, a poluição excessiva e nossa atitude exigente em relação ao mundo estão causando calamidades, como as ecológicas e geopolíticas. Estamos no primeiro estágio do apocalipse, mas estamos num estado de “negação total”. Os personagens são como nós. Eles são ruins? Não. Eu não estou interessada em que “filmes são sobre” tanto quanto “o que eles fazem”. Eu defino um filme como uma máquina para realizar certas ações. Assistir a um filme é um ritual porque fica diferente depois da exibição. É por isso que meu filme muda. É diferente no começo e diferente no final”, disse a diretora em Berlim.