Todos Querem Ser Paulo José
Por Fabricio Duque
Os diretores Gustavo Ribeiro e Rodrigo De Oliveira conceberam uma homenagem definitiva ao ator Paulo José em “Todos os Paulos do Mundo”. Muito mais que um documentário, é um filme-documento de amor pelas marcantes interpretações deste homenageado de Larvas do Sul, no Rio Grande do Sul. O título é uma analogia a “Todas as Mulheres do Mundo”, do carioca Domingos de Oliveira, que eternizou o artista gaúcho.
“Todos os Paulos do Mundo”, exibido no Festival do Rio 2017, com presença do próprio ator e de seus admiradores, conduz-se pela liberdade do existir. A narrativa é iniciada da escuridão da fade preto com a narração em off para elencar cenas dos filmes de sua carreira, suas ideias, suas referências e declarações de amor. Nós, espectadores, inferimos ao início de “2001 – Uma Odisseia do Espaço”, de Stanley Kubrick. Paulo José é o monólito-talento. É o futuro-progresso da arte de interpretar.
O documentário pulula conexões, de planos do antes com o agora, como a história de Babel de “500 Almas” (de Joel Pizzini), que é a “linguagem de todas as religiões, o cinema, inclusive”. Sim, atuar (e não atuar – usando a ficção como verdade absoluta) é uma arte para poucos, na verdade. São momentos de Paulo em cena, andando pela cidade e integrando a geografia em uma despretensiosa metalinguagem.
“Todos os Paulos do Mundo”, com produção de Vânia Catani (mais amiga que produtora), segue a estética do Cinema Novo com o Neo-realismo Italiano com o classicismo da Nouvelle Vague para traduzir o tom de admiração e fascínio. Celebra-se a qualidade, o dom, a essência, o ofício. “Que? Para onde? Como?”, pergunta-se. Paulo fala sobre sua cinefilia, sobre “Macunaíma”, a mãe, a poesia e a sensação de exílio. “Quem define a norma? A média não pode ser a norma”, diz.
“Na fantasia, você é o que você quiser”, diz e complementa que o “Teatro é a imitação do real”, com off de Fernanda Montenegro. Os artistas convidados narram textos do homenageado que sempre quis “balançar o coreto” dos “atores, gente retocada e maravilhosa”. “A única coisa que se esperava de mim era ser um ator. Só isso”, diz sobre “O Padre e a Moça”, de Joaquim Pedro de Andrade, em 1966.
A criação da Babel despeja pelo mundo homens que falam línguas diferentes: todos os rostos, corpos e vozes de Paulo José, encarnados nos personagens que o ator interpretou em sua carreira no teatro, na televisão e no cinema. Este filme é um ensaio cinematográfico sobre este que é um dos maiores artistas do Brasil, no ano em que completa oitenta anos de vida.
Com depoimentos de Dina Sfat, Joana Fomm, Marília Pera, Milton Gonçalves, Flavio Migliccio, Helena Ignez, Matheus Nachtergaele, Selton Mello (que o dirigiu em “O Palhaço”) e tantos outros, “Todos os Paulos do Mundo” é uma sobre a liberdade. Uma confissão ideológica que iguala “Todas as Mulheres do Mundo” a “Acossado”, de Jean-Luc Godard, que cita Walt Whitman, e o “violino que toca o homem”, relembra “Hiroshima Meu Amor”, de Alain Resnais e o alter-ego dos diretores.
Paulo José transgrediu a própria arte quando dá uma baforada de maconha e o “gostar de apanhar de uma mulher”. É um “príncipe branco”. E a “fantástica criação do imaginário”. “Eu nunca continuo o personagem, faço sempre o mesmo”, diz.
“No close, você tem que estar habitado por dentro. Se o espectador olhar no fundo do meu olho, ver que em gente morando lá dentro ”, poetiza. Ser ator é estar “aberto ao significado do cinema”, “ser material da ação”. Paulo “detesta o exibicionismo do ator”. Aqui, é uma aula de roteiro pelo “professor” homenageado.
“Todos os Paulos do Mundo” busca a essência de Paulo. Busca a experiência que determina os valores. A comédia que expõe o ridículo, as mazelas. “O Cinema Novo era muito sisudo”, diz. “O relógio é simbólico. Agora meu tempo é ser agora”, complementa e recebe dos amigos uma festa pelos oitenta anos de vida, quase toda dedicada ao ofício de ser outra pessoa a fim de experimentar possibilidades, medos, superações, limitações e expansões existenciais.
“Na vida, tem que fazer o que a gente sabe fazer. Sou palhaço!”, finaliza. O documentário nos conduz pela fluidez, leveza, despretensão, nos imergindo no universo cerebral de Paulo José, à moda de “Quero Ser John Malkovich”, de Spike Jonze. Sim, todos querem ser Paulo José.