As Virgens Não Mais Suicidas
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Cannes 2017
A citação terminal “O cinema está morto” dita pelo cineasta francês Jean-Luc Godard, em 1967, encontra pertinência quando nós nos questionamos sobre o assunto refilmagem, por embasar com sentido, que não há mais histórias a serem contadas, necessitando-se da repetição de clássicos cinematográficos.
“O Estranho Que Nós Amamos“, de Don Siegel, de 1971, com Clint Eastwood, representa o exemplo mais recente, estimulando Sofia Coppola (de “Virgens Suicidas” com “Marie Antoinette”), que também assume a produção juntamente com seu irmão, Roman Coppola, a realizar uma nova versão, praticamente com a mesma história (salvo adaptações de roteiro), com o mesmo titulo, “The Beguiled”, em inglês, e que integra a seleção oficial a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2017. Sofia, filha de Francis Ford Coppola, trilha, sozinha, com competência já percebida, um caminho único, particular e mais independente.
Ela disse na coletiva de imprensa que este “não é um remake, até porque ninguém consegue fazer exatamente a mesma coisa”. Pois é, sim e não. O sim é devido a nova vertente contextual apresentada: mais feminista, em que as mulheres, unidas e cúmplices, utilizam seus poderes a fim da proteção da classe, individual e ou coletiva.
O espectador tem duas opções quando for assistir ao filme de 2017: comparar inevitavelmente com o anterior, traçando paralelos com a mudança temporal do comportamento social; ou se entregar, sem dispersões, por uma hora e trinta e quatro minutos, esquecendo todas as referências-camadas questionadoras passadas.
Nós aqui trabalharemos a primeira opção, lógico, porque é sim uma refilmagem, com todos suas cenas construídas com sistemática, fidelidade e adaptada, majoritariamente, à opinião pública: sua vergonha e resistência sexual. Morte pode, sexo não.
Um soldado da União (o ator Colin Farrell, que neste edição de Cannes faz dobradinha também com outro filme na competição oficial, “The Killing Of A Sacred Deer”, de Yorgos Lanthimos), ferido em combate durante a Guerra de Secessão, acaba encontrando refúgio e um lugar para se curar dentro de um internato para mulheres localizado em território Confederado. Lá, o soldado se recupera, mas acaba conquistando o coração de algumas das mulheres (Nicole Kidman, Kirsten Dunst, Elle Fanning, Angourie Rice, Addison Riecke) no processo.
“The Beguiled” é pudico, encenado (a fim de não fugir da ambiência original, retirando, inclusive, a homenagem “a língua francesa” – neste a aula de Francês é sobre o presente do indicativo, para “bom entendedor”, uma ideia já lança toda a metáfora e linha narrativa que se deseja seguir), não entrando na política propriamente dita. O filme corrobora muito mais o lado entretenimento com aura independente (por causa de sua fotografia nostálgica aprisionada de fora para dentro como se estivesse em uma manhã de domingo).
O perigo é iminente pela batida intermitente de um bumbo. A visceralidade está mais explícita (de novo, ferimentos em close podem acontecer, a violência também, assim como a insinuação flerte em inocência de amor obsessivo, mas o sexo não, um tabu que nos próprios dias de hoje problematiza uma destituição de sua liberdade-diversidade conquistada ao longo de décadas). As reações interpretativas expressam-se pelo efeito dentro dos limites “caixa” permitidos (silêncios não mais possuem lugar).
O longa-metragem comporta-se mais hesitante, com mais suspense (principalmente pela tom da trilha-sonora), mais intimista em sua luz, mais esteticamente angulares em seu transpassar à tela e mais interativo, mais cuidado em suas teatrais interpretações perceptíveis. Sim, não se configura como uma boa sugestão conferir a versão original. Caro espectador cinéfilo, inverta a ordem!
“The Beguiled” tem seus momentos, seus ciúmes, seus orgulhos, competições (“todas se arrumando por causa do efeito do soldado”) e suas repetições fraseadas (“Não para seu prazer, mas para sua dor”). Nós não sentimos os dramas, as emoções, as cruéis e psicopatas reviravoltas das “virgens assassinas” e “assanhadas”.
O filme, de ativismo feminista, opta-se pela inocência do amor, que encontra a histeria, a violência e o despertar “da fera solta”, quando uma ruptura incondicional acontece. Ele vivencia a possibilidade de ser um “bendito fruto entre as mulheres”. E elas, de serem mulheres de novo com a presença da “carne nova”. Reparadas.
Nesta versão falta crueldade, passionalidade, loucura, surto, desordem psicológica e desvios intuitivos. Sarcasmos tornam-se “castração” deste homem que tenta sobreviver à força sobre-humana destas mulheres em “guerra”. Sim, talvez não seja mesmo um remake. Aqui, potencializa-se o drama e a prisão de Sofia de manter o equilíbrio e o jeito americano de filmar à homenagem.
“The Beguiled” é menos quando poderia ser mais, retirando o beijo na boca em uma garota “chapeuzinho vermelho” de treze anos; o irmão falecido; a escrava; tudo que lá polemizou e tudo que fornecia gancho dos detalhes que amarravam a trama e seus desdobramentos. É desengonçado e conservador em suas conclusões. Clichê com romantismo. Beijo com amor. Vingança orgulhosa. A reza como perdão do trágico plano. A cumplicidade feminina. A naturalidade da morte, que a guerra faz parecer normal. A música sensorial a moda de Sigur Rós. É mais retrato que aprofundamento. É mais apresentação à capela de uma sociedade hipócrita que se importa mais com os outros próximos que com suas vidas.
Festival de Cannes 2017: “The Beguiled”
Da diretora americana Sofia Coppola (de “Bling Ring: A Gangue de Hollywood“, “Um Lugar Qualquer“, “Maria Antonieta”, “Encontros e Desencontros”, “As Virgens Suicidas”), 91 minutos. Com Colin Farrell, Nicole Kidman, Elle Fanning, Angourie Rice e Addison Riecke. Distribuição da Universal Pictures.
Um soldado da União, ferido em combate durante a Guerra de Secessão, acaba encontrando refúgio e um lugar para se curar dentro de um internato para mulheres localizado em território Confederado. Lá, o soldado se recupera, mas acaba conquistando o coração de algumas das mulheres no processo. É uma refilmagem do filme “O Estranho Que Nós Amamos“, de 1971, do diretor Donald “Don” Siegel. Sofia, que também assume a produção juntamente com seu irmão, Roman Coppola, talvez seja a mais indicada e confiável para tal responsabilidade, pela diversidade estética de seus trabalhos, que provavelmente, serão mesclados no remake: “Virgens Suicidas” com “Marie Antoinette”.
“O Estranho que Nós Amamos – The Beguiled” integra a competição oficial a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2017. Aguarde a crítica!
A diretora Sofia Coppola nasceu em Nova Iorque, 14 de maio de 1971. É filha do também cineasta Francis Ford Coppola e prima do ator Nicolas Cage. Tem duas filhas, Romy nascida no dia 28 de novembro de 2006, e Cosima, nascida em Junho de 2010, fruto de seu relacionamento com o músico Thomas Mars da banda Phoenix. Eles se conheceram quando ele concedeu uma de suas músicas para o filme “Encontros e Desencontros (Lost in Translation)”. O casal continua junto. Em 2009, o cantor americano Sufjan Stevens compôs e produziu uma música à atriz/diretora chamada “Song for Sofia”, ou “Sofia’s Song”. O filme sobre a vida de Maria Antonieta, a última rainha de França, com Kirsten Dunst e Jason Schwartzman nos principais papéis, foi lançado em 24 de Março de 2006 no Festival de Cannes. Tem como influências artísticas o cinema de Federico Fellini e de Michelangelo Antonioni; no filme Lost in Translation, presta homenagem ao primeiro, quando os protagonistas assistem ao filme La Dolce Vita.