MERCHAN X CINEMA
Por Vitor Velloso
A ideia formalista de retratar um evento visualmente enclausurado, numa linguagem clipada, não é nova, aliás, longe disso, diversos exemplos podem ser citados para referenciar o estilo, citarei dois de língua inglesa, já que nitidamente Hollywood é a maior influência no longa: “Colateral” e “Locke”. Ao ambientar uma narrativa como essa, uma das maiores dificuldades é a caracterização da cidade através dos locais por onde se passa, o que “Sequestro Relâmpago” faz com parcial êxito, porém, força um estereótipo social fajuto e esquece que a arquitetura social é mais complexa do que é, ali, representada.
Dirigido por Tata Amaral, o filme possui um início imediato, não busca perder tempo com dramatizações, porém, já parte de uma mudança de tom aguda, que atinge uma intenção pop, com música, planos curtos, movimentos rápidos e merchan, muito merchan. Os primeiros dez minutos são propagandas de diversas empresas; é logo pra cá, logo pra lá, até que vemos, de fato, a primeira cena da narrativa, uma encenação simplória que busca um realismo naturalista. Parece amador, os diálogos são super expositivos, as interpretações são falhas e a duração da cena não se justifica. Quando de fato entramos na narrativa que Tata quer retratar entendemos melhor a proposta, o jogo formalista se inicia, planos curtos, múltiplos pontos de vista e diálogos acerca da realidade brasileira, o problema é encarnar tudo isso na pele da Marina Ruy Barbosa e Daniel Rocha, metade do peso da discussão social se perde, não por suas atuações, mas pela memória que temos de cada um na Globo. Sidney Santiago, o segundo sequestrador, dá mais equilíbrio a misancene Global. A refrega de realidades se dá pelo diálogo e por pequenas atitudes, porém falta tensão à disparidade, é pouco crível a maneira como determinados diálogos se desenrolam, ainda que haja um bom momento onde a protagonista busca justificar a semelhança entre eles usando o argumento de que no Brasil a riqueza está concentrada em 1% da população e que ela faz parte dos 99, o que soa patético, pois, além de nitidamente ela pertencer a classe média-alta pra cima, ele estão dentro de um Duster, dela, mas ainda assim a resposta de Matheus (Sidney) possui uma dura verdade “Você já foi pra Disney? Fez faculdade? Teu banheiro tem descarga?”. Ao responder que sim, ela é retirada dos 99%.Mas isso não é um mérito sólido, pois, uma frágil cena revela a noção social do filme, onde Japa (Daniel) e Isabela (Marina) cantam juntos “Rap é Compromisso” do Sabotage. Não é difícil compreender o motivo de serem os dois, porém a funcionalidade da situação é quebradiça. As participações especiais são irrisórias, sendo utilizada apenas como jogada de marketing a uma possibilidade de composição mais heterogênea.
Curiosamente, quase contrapondo a encenação problemática, que mais parece um capítulo de novela, os cortes rápidos geram um esforço formalista quase necessário, dando pouco espaço à imagem, sempre sendo cortada antes da contemplação fazer-se presente. A arquitetura que se propõe da cidade de São Paulo é parcialmente fiel ao espírito local, algo que também foi retirado de “Colateral”. O uso do estilo digital, tornou-se um fenômeno no thriller contemporâneo e aqui foi bem utilizado, sabendo conciliar a luz e suas sobreposições. Uma consequência a esta proposta cinematográfica fragmentada mas que engloba uma misancene complexa, é o ritmo.O clipe tornou-se uma ferramenta de injetar na imagem uma urgência que parece não se justificar com a trama, tanto pela composição dos atores periféricos, quanto pela atitude dos protagonistas, não sentimos um atrito tão intenso nas viradas de cena. Shane Carruth, ainda que possua problemas, compreende bem essa transição de estilos cinematográficos, realizando “Primer” e “Upstream Color” com linhas narrativas soltas, mas que reforçam o caráter da imagem. O que em “Sequestro Relâmpago” ganha um contorno diferente, busca uma conjuntura mais clássica, mesmo que se esforce para lançar o estilo acima da trama.
Acontece que as intenções são muito boas e quase conseguem cumprir com o desejo da diretora, mas por pequenos deslizes enfraquece toda a proposta a fim de tornar-se palatável ao grande público, principalmente ao admitir que o amadorismo nacional reflete-se na nossa própria criminalidade. Sim, mas o retrato feito, é bastante desleal com a realidade, algo que se preza tanto durante a projeção.