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Crítica: Sem Data, Sem Assinatura

A culpa tem assinatura

Por Vitor Velloso


Uma das questões mais complexas do ser humano, enquanto ser social, e existir em angústia, é a culpa. O tema já foi abordado diversas vezes no cinema, literatura, pintura, etc. Todas as formas de expressão artística já abordaram a culpa como uma força inigualável. “Sem Data, Sem Assinatura” não é diferente disso.

Partindo deste fardo como âncora narrativa, Vahid Jalilvand, diretor, utiliza todos os dispositivos para que possa cravar em seus personagens esta dor. A trama é simples, Dr. Nariman (Amir Aghaee), se envolve em um acidente, onde bate em uma moto com uma família, após prestar socorro, vê que está tudo bem, oferece dinheiro para o conserto da moto e carona até o hospital mais próximo, o pai, Moosa (Navid Mohammadzadeh), nega a ajuda e vai embora com sua família. No dia seguinte, o médico chega para trabalhar e escuta de um dos enfermeiros que um garoto de 8 anos morreu, mas que não sabiam a causa. Pelo nome ele reconhece a criança, o filho de Moosa.

A carga dramática da história possui dois eixos, o do Nariman e do pai da criança. Ambos possuem peso igual, porém, o do pai é sem dúvida, o mais doloroso. A forma que o diretor constrói essa narrativa é cadenciada pelos planos de espera, os pequenos tempos mortos do dia-a-dia, onde o ócio toma conta e o remorso pode atuar, e como de costume do cinema iraniano, muitas conversas dentro de carros. Culturalmente existe uma falta de liberdade no Irã, seja por repressões religiosas ou mesmo por construções culturais ancestrais, como o machismo. E no ambiente do carro, aparentemente, existe um relaxamento destas tensões superiores. E por falar em machismo, nota-se que até o momento não citei a mãe do garoto, isso porque seu papel é secundário na trama. Não creio que por misoginia do próprio Vahid, mas sim, uma crítica a própria cultura que se desenvolveu em seu país, aliás, ela protagoniza o diálogo mais pungente do longa, já falarei sobre ele mais a frente.

A causa da morte do garoto, foi registrada como uma intoxicação alimentar, exatamente, o que faz Moosa sentir-se culpado, pois, havia comprado carne de frango, por um preço muito barato, uma semana antes. Leila (Zakiyeh Behbahani), mãe, culpa seu marido pela morte de seu filho. E em certo momento, pergunta a ele, aos prantos: “Você não sente né?” Quando Moosa se irrita com ela, a mesma diz “Pode me bater, vá em frente.” Essa denúncia clara do que é a relação conjugal no islamismo, atinge milimetricamente, nós Ocidentais. Pois a força que há nessas palavras são inigualáveis. E logo após o diálogo, corta e vemos o pai chorando e mal aguentando a dor de perder um filho, sozinho num valão. Tal situação me lembra um diálogo do jogo de videogame “God of War”, quando o filho pergunta ao pai “Você nem sente falta da mamãe”, e ele responde irritado “Não confunda meu silêncio com indiferença”.

Cada um reage ao luto e à culpa de uma maneira, , é extremamente pessoal, não há possibilidade de prever ou mensurar. E a dor que Nariman sente, é de, possivelmente, ter matado a criança, no acidente. O conflito emocional que se instala a partir da dúvida, transforma o médico em protagonista. Porém, quando a raiva de Moosa se intensifica e ele quer tirar satisfação com quem vendeu o frango à ele, ele rouba a cena. A grande chave do longa, além do luto constante é o equilíbrio entre as duas figuras e como a dor, diferente para cada, transfigura às relações pessoais e a própria pessoa. A angústia de existir, é substituída pelo sofrimento de ter a responsabilidade sobre a vida de outra pessoa, afinal, não é isso que é ser pai e/ou médico?

“Sem Data, Sem Assinatura” é uma porrada. Não há palavra melhor que essa, e seu final é agudo o suficiente para deixar o público sem o que dizer por uns minutos. Algumas obras ficam com a gente, seja por uma filosofia ou como uma ferida que irá ser lembrada por alguns dias. Vahid construiu algo que irá gerar feridas, mas que irão doer menos na gente que nos personagens.

4 Nota do Crítico 5 1

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  • Uma critica heidgeriana! Um ode à angústia do existir! Que portada na alma…você é a própria angustia do existir…Bravo Bravo

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