O Reencontro

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Personalidades Adequadas

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Berlim 2017


Cada vez o novíssimo e atual cinema francês busca mais se assemelhar à estrutura palatável das novelas da televisão. É um fato e uma tendência. Atores, atrizes e diretores emprestam suas interpretações a produtos de fácil assimilação da arte pura e certa do entreter com seus recorrentes gatilhos comuns, ações caricatas, temas repetitivos e reações que beiram a comédia pastelão. “O Reencontro”, do diretor Martin Provost (de “Séraphine”), exibido fora de competição no Festival de Berlim 2017, é um deles.

Sua narrativa busca conduzir o espectador pelas idiossincrasias humanizadas de suas personagens, mitigando o maniqueísmo moral e imprimindo camadas complexas psico-existencialistas dotadas de subjetiva unicidade, particularidade e individualismo. Claire (a atriz Catherine Frot, de “Os Sabores do Palácio”, “Marguerite”) exerce sua profissão de parteira com dedicada paixão, e é conhecida por ser uma mulher séria e prudente, além de solitária, mas humanista, calma e hospitaleira.

Sua vida se transforma com a aparição inesperada de Béatrice (a atriz Catherine Deneuve, de “O Último Metro”, “Fome de Viver”, “Pele de Asno”, “Duas Garotas Românticas”, “Bem Amadas”, “Repulsa ao Sexo”, “Os Guarda-Chuvas do Amor”, “8 Mulheres” – cada vez mais parecida com nossa atriz “diva” Rogéria), uma antiga amante, extravagante, teatral, psicanalista não-convencional, exótica, egoísta e dependente, de seu pai, em busca de ajuda para problemas pessoais. Claire hesita em ajudá-la a princípio, mas logo a apoia, e descobre um modo de vida muito diferente do seu.

Cada uma representa uma personalidade, e ambas trocam “qualidades”, estas que são orgulhosamente difíceis de absorver e aceitar. Uma não bebe, a outra é quase alcoólatra. Uma não come carne vermelha. A outra sim. Uma colorida. A outra, monocromática. É a “certinha” e a “ovelha negra”. Mas uma “vive de menos”. A outra, “demasiadamente”. É este conflito de tentativas que permeia todo o filme, que manifesta sua predileção pelo elemento realista, iniciando sua história, por micro-ações continuadas, com um parto em câmera “mosca” próxima. A cena pontua ambientar o universo de um hospital, sua urgência em salvar vidas e as vidas de suas médicas heroínas.

“O Reencontro” mantém sua naturalidade cotidiana como a espontaneidade de de se andar de bicicleta, como as ações diretas e decisivas e como os diálogos mais parecidos em monólogos terapêuticos e espirituosos. Mas também logo os primeiros clichês aparecem: o pai que morreu depois da madrasta o deixar; o câncer que mata e faz urgir a livre vivência; tudo filmado com um celular; comida enlatada; a fantasia com o “condutor de caminhão”. “Os lobos estão deixando Paris”, uma música é cantada.

“Um corpo morto é só um objeto. O problema é a mente”, diz-se. Elas colocam suas questões do passado, acertando contas dos “trinta anos de ausência” e sonhos. Tudo ora é dito e subtendido em apenas um beijo, ora na fuga ao bucolismo das “casas com jardins” (característica esta marcante da vida dos franceses para ruminar e resolver pendências e problemas).

A “monocromática” ganha vida e recebe a oportunidade de colorir a vida, entre vinho (o álcool a deixa mais “emocional”) , “nadadores campeões”, caviar, descobertas de segredos, deixar de ser sistemática demais e quebrar regras. “O Reencontro” caminha pela linha tênue entre a cínica realidade e a manipulada emoção, demasiadamente, sentimental.

3 Nota do Crítico 5 1

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