Moralismo frustrado
Por Vitor Velloso
Nos primeiros minutos de “O Orgulho”, vemos um embate moral e político entre uma aluna crescida no subúrbio de Paris, Neila Salah, de família árabe, e um professor racista, Pierre Mazard. O “debate” ocorre na frente de toda a turma, parte desta, filma a briga entre os dois, que acaba gerando uma penalização para Mazard, por não ter se tratado do primeiro evento deste tipo protagonizado por ele, e a única forma dele permanecer com seu emprego é conseguindo levar a aluna para o campeonato de retórica, onde Neila seria orientada por ele.
É pior do que parece.
O complexo de “boa fé” do branco europeu rasga a carne da decência moral neste longa dirigido Yvan Attal, francês, obviamente. Enquanto o cinismo inicial do professor, interpretado pelo Daniel Auteuil, cuja carreira dispensa comentários, soa como uma toxicidade dialética que será a força motora do filme, tudo se desfaz ao vermos o desenho de “filme de mestre” se desenhando para a maior pieguice e canalhice do ano. O fardo do homem branco espalha na tela todo seu rancor, vindo de auto repreensões moralistas e dogmáticas, impostas por eles mesmos a fim de sentir-se superior a qualquer outra forma de existir que não seja a deles. Etnocentrismo é uma característica de todas as sociedades, a deficiência cerebral começa ao acreditar que isso é um direito seu, além de um dever de proteger a pátria, isso já deixa de ser um fato social, torna-se demência fascista generalizada. Não me referi ao professor em nenhum instante nas últimas linhas. Seu personagem não representa mais que o próprio roteiro do filme.
Enquanto Yvan acredita estar tornando Mazard um vilão, ele acaba elevando-se ao mesmo status do discurso da obra, tornando-se parte dele. A domesticação do estrangeiro acontece ao longo da narrativa que sempre implica o ocidentalismo como um eficiente meio de defender-se dos próprios erros, sempre usando as falácias como recurso fatalista de discussão ética. Usando o já batido e datado, Schopenhauer, a estrutura fílmica desenvolve seu arcabouço racista a partir da ideia de não fazê-lo, uma bela metalinguagem não? A ponto de Neila, interpretada por Camélia Jordana, passar a achar graça das piadas do professor.
Não estou fazendo vigilância do que se deve ou não ser feito num filme, porém, cobrir discurso de ódio com polidez acadêmica, é no mínimo, nojento. Ainda que o diretor tenta-se criar alguma discussão a partir deste racismo, o que ele se recusa a fazer, seria patético vê-lo construir esta linguagem pseudo-formalista, que constrói sua narrativa da mesma forma que Hollywood, para tentar criar relações com o público. A falta de autoria deve-se a alguns fatores, um deles é o reacionarismo colonial, que já rendeu grandes diretores pela sua infiltração formal construtiva como o caso de John Ford, mas como pode render Yvan Attal. Outro fator é a decadência cultural que o filme se submete, ao ceder a um Imperialismo Norte-Americano canhestro.
“O Orgulho” é um título que exprime bem o sentimento que deseja passar, o ufanismo descontrolado, gerado pelo patriarcado complacente, foi se perdendo ao longo dos anos, para dar lugar a pessoas que acreditam estarem fazendo o certo, seja vendendo seu país a outros, seja reconhecendo, no outro, um problema que deve ser sanado, ou mesmo, na imobilização democrática, para que a hierarquia e a meritocracia possam reger suas influências através da geração. Qualquer semelhança com qualquer pessoa da política atual, é apenas coincidência.
Se tudo isso do longa fosse excluído, sobraria a atuação caricata de ambos os protagonistas, a linguagem preguiçosa e os clichês acéfalos. Que vai de volume da música aumentando em discursos motivacionais a personagens dizendo coisas como “Essa não é a pessoa que eu conheço, pois tal pessoa nunca desistiria”. A tentativa constante de gerar aplausos do público, por alguma atitude que reforça um pseudo altruísmo de algum personagem, provoca náuseas e lacerações mentais. O máquina capitalista não apenas englobou a estrangeira como o próprio diretor.
Enquanto a política francesa viu suas eleições tornarem-se turbulentas na ascendência extremista, o longa de Yvan Attal mostra que há sempre mais espaço para petulância desvairada e o ódio. E após divagar sobre a natureza que gerou esta obra, só me resta encerrar a crítica a fim de contrapor o expurgo de ódio visto na tela. Este filme não merece mais nenhuma palavra.