Moralismo Musical
Por Vitor Velloso
Quando “Mamma Mia!” foi lançado em 2008, sua recepção foi dividida, uma parte amou, a outra odiou, era difícil encontrar opiniões que não estavam nestes dois extremos. Sua continuação, lançada dez anos depois, irá provocar nas pessoas um sentimento parecido, até mesmo nos fãs do primeiro.
“Mamma Mia: Lá Vamos Nós de Novo!” continua a história do hotel, agora sendo reestruturado pela filha de Donna, Sophie (Amanda Seyfried). Enquanto acompanhamos a trajetória de sua mãe, durante a década de 70, compreendemos os paralelos entre a história das duas. Sophie descobre que está grávida, assim, veremos a reforma do hotel como uma espécie de repaginação na vida da própria protagonista.
A trama é completamente desarticulada, vivendo de uma nostalgia decadente e apodrecida de um sucesso parcial que possui apenas 10 anos de idade, é o cúmulo do desespero da produção. Não há o que ser mostrado, apenas são estruturadas algumas desculpas no roteiro para que possamos escutar alguém cantando em algum momento, e acredite, há muitas músicas aqui. No original, nenhuma performance cativava, aqui a proposta está brevemente diferente, além de não cativar eles se esforçam em provocar risada pela falta de criatividade, seja na coreografia que beira o amadorismo ou na linguagem usada pelo diretor, Ol Parker.
Detentor de uma carreira duvidosa, que conta com “Imagine eu e você” no currículo, Ol constrói aqui, artifícios desajeitados dos musicais, tentando fazer tudo aquilo que foi convencionado, por pessoas mais habilidosas que ele, porém, não consegue utilizar nenhum dos recursos a favor do filme. A câmera que se aproxima da cena, enquanto todos fazem movimentos simultâneos ou conseguintes, está presente, mas é realizada de uma maneira tão mecânica e endurecida, que tira qualquer brilho que poderia haver no momento. É tudo tão aborrecido e falso, não é artificial por uma estética consciente, é um falseamento de felicidade que corrói a tela e o espectador sente isso. Essa proposta de felicidade e liberdade, formulada de uma forma tão uniforme, faz cada sorriso na tela soar como a forma mais cínica da (falta) de expressão artística em um musical.
Existe uma acidez em toda essa falsidade, que me deixou desconfortável durante toda a projeção. Parecia que eu estava vendo um longa de terror, onde todos sorriam mas tudo parecia extremamente assustador, pois ninguém tinha expressão no rosto. Todo mundo está mal, até o Colin Firth. Dominic Cooper atuar mal é pleonasmo, assim como Pierce Brosnan. Lily James possivelmente é a melhor do projeto, por possuir uma responsabilidade menor. Não que seu papel não seja importante, mas o espírito de sua personagem é mais libertário.
Enquanto vemos a novela mexicana ir se desenvolvendo, por um pequeno momento achei que íamos ter uma completa quebra de misancene, quando o casal protagonista canta simultaneamente, para abraçar um formalismo estético hiper artificial, mas não, era só uma impressão. Esse excesso de apego a estrutura narrativa é um dos principais inimigos dos musicais. A própria coreografia não consegue se sustentar nem a partir da montagem. Nada aqui funciona, nem o humor. Apenas uma pessoa riu durante a sessão, e também fazia questão de comentar o que achava das cenas “Oh meu Deus” “Não Acredito!”, pois para além da linguagem e dos diálogos super expositivos e mal desenvolvidos, uma narração quase cartoonizada do início dos anos 50 também era necessária, uma espécie de performance anacrônica dentro do cinema. Ao menos as duas horas mais longas de 2018 aparentemente tocaram o coração desta moça, que chorou bastante próximo ao final. Fico feliz que a obra tenha se conectado a alguém. Mas, infelizmente, para mim soou um dos reflexos moralistas mais caricatos de Hollywood, nos últimos anos.
Essa felicidade que não contagia, nos levou inclusive em um beijo no pôr do sol, com direito a um flare digital, extremamente mal feito, rasgando a tela de ponta a ponta, enquanto a Cher observa no fundo. Se essa minha descrição não fez o(a) leitor(a), compreender o quão decadente e aborrecido é este filme, me perdoe. Eu juro que tentei gostar, me esforcei a cada momento para encontrar algo que eu pudesse elogiar aqui na crítica, em alguma situação pensei “Vou falar das cores”, mas aí o colorista estraga tudo no plano seguinte com uma saturação digital tosquissima. E quando penso que vou falar sobre uma coreografia intimista, vem as duas apresentações finais, que parecem ter sido filmadas pela tia da família, de tão amadora e desengonçada que é. A fotografia que é assinada pelo Robert D. Yeoman não é ruim, afinal, é um constante colaborador do Wes Anderson, porém, aqui está mais uma prova que é necessário um(a) diretor(a) que saiba o que está fazendo, pois até o Yeoman está frágil.
“Mamma Mia: Lá Vamos Nós de Novo!” é a verdadeira síntese do momento que os musicais vivem em Hollywood. Há referências técnicas, mas não há uma proposta para usá-las, o problema da indústria norte-americana, deixou de ser apenas formal, é narrativo mesmo.