Por Fabricio Duque
“A Longa Noite de Francisco Sanctis”, dos diretores argentinos Andrea Testa e Francisco Márquez (em um “trabalho coletivo”, de produção “pensar com as mãos”), foi exibido na mostra Un Certain Regard do Festival de Cannes 2016, e é, acima de tudo, uma fábula política, adaptação do romance homônimo de Humberto Costantini, que utiliza a metáfora do medo iminente da luta revolucionária para “desnortear” o protagonista em seus próprios anseios e “covardias” obrigatórias. O filme é iniciado ambientando o espectador ao universo que será apresentado e “chacoalhado”. A câmera próxima retrata detalhes de uma preparação de um café da manhã em uma estrutura novela editada-ensaiada (“não está quente” e queima a boca – clichês pontuais) de uma família aparentemente normal, depois um ambiente de escritório nostálgico (vide a máquina de escrever). A narrativa contemplativa, com seu típico humor sarcástico-cúmplice argentino, cria a naturalidade padronizada e rotineira e posterga a percepção objetiva de qual caminho seguirá. O cenário é Buenos Aires, 1977. Durante a ditadura militar argentina – a mais sanguinária da América Latina -, Francisco Sanctis (o ator Rafael Federman) recebe a informação de que duas pessoas foram condenadas a “desaparecer”. Mesmo sem quaisquer laços políticos, este pacato homem de meia idade fica atordoado pela urgência da situação. E é “pego como laranja” para participar da ação. Naquela noite, ele deverá tomar uma decisão crucial: se colocar ou não em risco (sair da “inércia” existencial – crítica à alienação em aceitar o estágio político atual e não reagir – como estar em um “parque escuro” no meio da madrugada) para salvar a vida de outras pessoas. Assim, o passado é revisitado. Sustos, utopias, princípios, que estavam adormecidos, são acordados e confrontados. Entre ângulos câmeras não convencionais, o cheiro do cigarro (quase sensorial ao espectador), podemos vivenciar também um pretérito assaltado pelo presente. Francisco Sanctis precisa mitigar seu medo e “mergulhar” na curiosidade, a fim de salvar seu país, seus familiares e a si mesmo. Concluindo, um filme interessante que faz com que o espectador descubra aos poucos o “andar” conceitual de sua história que vai do superficial proposital ao aprofundamento de reativar a característica intrínseca de ser um indivíduo social.