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Crítica: Depois Daquela Montanha

Ah, a força do elenco!

Por Bruno Mendes


“O coração é só um músculo”. Eis uma afirmativa presente em passagens distintas do filme “Depois Daquela Montanha” (do diretor Hany Abu-Assad e baseado em livro homônimo), que ilustra o estado emocional dos protagonistas com precisão. Por mais que os elementos do gênero ‘drama de sobrevivência’ sejam predominantes em perspectiva breve, o foco íntimo da trama aponta para a análise do relacionamento humano em situações-limite, dentro do âmbito romântico e nas auto-descobertas/auto-revelações após improvável sintonia com um estranho. Correto em aspectos pontuais, o longa insiste em caminhar pela cômoda e insossa zona de conforto e escapa do desatino completo graças ao talento das suas estrelas.

A história é simples. Depois de perderem o voo, o neurologista Ben (Idris Elba) e a fotojornalista Alex (Kate Winslet) decidem fretar um avião de pequeno porte, que cai sobre montanhas geladas após o piloto passar mal. Juntos – e na companhia de um cachorro (o espectador irá compreender e vibrar com a presença do simpaticíssimo cão) – precisam economizar a pouca comida e encontrar maneiras de sobreviver no ambiente inóspito.

É notório que a escolha da dupla é um dos grandes méritos do filme, afinal com justiça, ambos merecem o “título” de GRANDES do cinemão norte-americano. Impossível, por exemplo, deixar de fazer a seguinte associação ao lembrar do inglês Idris Elba: tanto neste exemplar, na série de TV Luther e em Beast of no Nation (produção da Netflix), em certos momentos de silêncio, o olhar aparentemente vazio do ator, mas carregado de reflexões, entrega emoções cabíveis a sujeitos de carácteres distintos, sem overacting e de forma absolutamente honesta.

Tal habilidade interpretativa é fundamental para o espectador criar apreço pelo ponderado e introspectivo Ben. Já Winslet, é sábia ao conceber uma mulher de bom humor, por vezes (e humanamente) pouco paciente e mais ‘aberta’ para expor fragilidades e até – como boa jornalista – fazer perguntas. Do mesmo que em Titanic, O Leitor, Foi Apenas um Sonho e tantos outros títulos, ela oferece diversas camadas à sua Alex. Palmas!

O grande barato de todo esse domínio cênico é o fato de não precisarem de um ‘inspiradíssimo texto’ para fazer com que os diálogos funcionem de modo verossímil e com a imprescindível veemência dramática. Não podemos ser injustos em afirmar que eles “tiraram leite de pedra”. O roteiro não é desastroso. Mas “não me culpe por seus problemas” é o tipo de frase que não sairia muito bem de bocas menos talentosas.

Seguindo o embalo dessa química, vital para manter a atenção de todos “ao que pode vir acontecer entre eles e com eles” nos minutos seguintes, ‘Depois Daquela Montanha’ é impecável tecnicamente e a fotografia faz a opção certa por deixar a maioria das cenas perigosas iluminadas pelo sol, o que torna mais fácil a compreensão sobre a imponência e perigo de todo o complexo montanhoso.

Por outro lado, por mais que a aclamada dupla de protagonistas levante o astral do que acontece em cena, o desenvolvimento rítmico mostra-se arrastado e, por hora, até se afasta dos pouco surpreendentes, porém interessantes dilemas humanos vivenciados pelo casal.

Se há mini (e despretensiosas, é MUITO justo apontar esse fato) formulações filosóficas sobre a interação humana e acerca do tão necessário e ,por vezes, ignorado ato de “olhar para si mesmo”, o drama vivido por eles, em razão das dificuldades provocadas pelo frio, falta de comida e, claro, do medo da morte, parece deslocado de seriedade e ‘horror’, algo inconcebível no ponto de vista lógico.

É fácil refletir sobre alguns filmes e qualifica-los como “bons” ou “ruins”. Esse, não é o caso de uma produção com tantos altos e baixos quanto “Depois daquela Montanha”, cujo poder de cativar por alguns bons elementos cinematográficos e transportar o espectador para um agradável “campo de reflexão” – uma das mais bonitas funções da sétima arte – infelizmente rivaliza com o cansaço e apatia que provoca pelas situações mal formuladas.

O desfecho – para incluir na “gaveta dos pecados do filme” – mostra-se prolongado e abraça as características mais formulaicas possíveis, sem a mínima pincelada criativa, aliás há tempos carente na maioria das produções do mainstreen.

Agradeçam aos deuses a existência de Idris e Kate! Sem eles esta adaptação seria muito menos, ou nada.

3 Nota do Crítico 5 1

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