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O Estacionamento

Uma fábula político-social de realismo fantástico

Por Fabricio Duque

Durante o Festival do Rio 2016

O Estacionamento

“O Estacionamento”, do paranaense William Biagioli, não só foi o grande vencedor na categoria Melhor Curta-Metragem no Festival do Rio 2016, como também foi o escolhido e premiado no Prêmio Vertentes do Cinema. Tudo devido ao preciso domínio da narrativa que referencia, implicitamente, à estética fantasiosa-surreal do cineasta Leos Carax (pela personificação existencial a automóveis solitários e aprisionados em um estacionamento). O curta-metragem conduz o espectador a sentir a loucura “maquinária”, de preconceito alheio (por brancos “superiores”) e sobrevivente de um imigrante vindo do Haiti, buscando a chance da integração social.

A narrativa de “O Estacionamento” desenvolve um submundo de ficção-científica pós-apocalíptico, em um minúsculo quarto à moda de “Branco Sai, Preto Fica”, de Adirley Queiroz, para metaforizar a dialética da comunicação, pela interferência dos ruídos, e para potencializar a loucura alienante dos indivíduos comunitários que precisam conviver com a figura “alien” dos próximos diferentes e estrangeiros de si mesmos. Uma fábula de realismo fantástico que pontua de forma precisa e irretocável em um problema agravante e “varrido para debaixo do tapete” de nossa sociedade antiquada e altivamente arrogante, com um elenco formado por não-atores, quase todos sem nenhuma experiência prévia (“uma camada de compreensão para o filme”, disse seu diretor).

“O Estacionamento” é uma imersão, que troca papéis modernos e cotidianos. De pessoas para carros. E ainda que soe “democrático” e contrastado com suas “passadas” brasílias e fuscas (e que chegam com suas músicas, definidoras de seus motoristas), a mise-èn-scene reverbera invisibilidade. De veículos “esperando” por seus donos no escuro e a figura do imigrante, contratado para trabalhar e “tomar conta” na madrugada, na “hora em que os gatos são pardos”. E na rotina do tédio, a cabeça que “vazia se torna a oficina do diabo” descamba a imaginar coisas, talvez uma projeção dos medos internos em um ambiente inóspito e solitário, entre os olhares desconfiados de “será que ele irá roubar o carro por ser negro?”. Um sonho talvez realista demais? É a revolta dos abandonados. Que “gritam” e protestam com o que podem e com o que “tem para hoje”. Ou um desespero guardado tempo demais. Uma catarse de desprender no físico as pressões da alma.

“O Estacionamento” questiona o impensável com concretude visual. Uma curiosidade, a voz do cliente é do diretor Aly Muritiba (de “Para Minha Amada Morta”). A trilha sonora original The Japanese Rice Crackers, de Ligia Teixeira, Francisco Gusso + Pedro Giongo, complementada por Valsa Número 2 de Dimitri Shostakovich, constrói um universo sensorial, que aprisiona o tempo, pausando a percepção espacial a fim de trabalhá-la com conteúdo, técnica e apuro estético, principalmente por suas sombras. Em pouco mais de dezesseis minutos, “O Estacionamento” adentra uma seara e descama a fundo os estágios protegidos, como se fosse uma cebola. Essencial para analisar o comportamento humano em recomeços. Recomendado.

5 Nota do Crítico 5 1

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