Festival Curta Campos do Jordao

Crítica: A Comédia Divina

A igreja do diabo enfadonho

Por Bruno Mendes


O diabo é uma figura capaz de despertar a curiosidade entre crentes, agnósticos, quiçá ateus. Luta contra Deus pelo ‘coração dos homens’ e por meio de facetas distintas – medonho, chifrudo, belo, sedutor, irônico, o que for – povoa o imaginário popular de várias sociedades.

É comum entender as razões que levam o universo artístico a pensar e representar o ‘coisa ruim’ em músicas, obras literárias e no cinema por gerações, e seguindo os passos dessa “curiosidade”, o filme “A Comédia Divina”, do diretor Toni Venturi (de “Latitude Zero”, “Rita Cadillac: A Lady do Povo”, “Estamos Juntos”), uma adaptação breve do conto ‘A igreja do Diabo’ de Machado de Assis, faz uma leitura cômica do que seria a chegada do homem das trevas à Terra e da sua posterior influência sobre as ações (e aspirações) humanas.

Ao contrário de tantas “odes” interessantes – no aspecto perturbador, horripilante, ou mesmo no farsesco e satírico – este exemplar segue os mandamentos para cair no limbo do esquecimento, pois além de não propor reflexões (quem foi que disse que “ filmes para não serem levados a sério” não podem gerar este efeito?) é pífio no seu maior propósito: fazer rir.

No longa, o cramunhão (o ator Murilo Rosa) volta à terra ao lado de uma trupe formada por figuras esquisitas com o objetivo de abrir a sua igreja e disputar a predileção dos homens contra a(s) igreja(s) de Deus (vivido pela atriz Zezé Mota). Logo, o “Demo” se aproxima da jornalista Raquel (Mônica Iozzi), que viveu um casinho com o fanfarrão Mateus (Danton Vigh) e ainda é a garota dos sonhos do ex namorado Lucas (Thiago Mendonça), com o ímpeto de dominar uma emissora de TV e, obviamente, expor seu poder para o maior número de pessoas possível e convencer a todos que a gula, vaidade, inveja, soberba são valores edificantes e não características malignas estabelecidas como ‘pecado’ no ideário cristão.

Infelizmente, ainda que agraciada pela autêntica e carismática Mônica Iozzi, que entrega boa atuação no papel da ‘mocinha’, a obra é prejudicada pelo roteiro pouco inspirado: são flagrantes os diálogos pobres e disparos ininterruptos de lições de moral, o ritmo narrativo irregular e a falta de referência à realidade social, econômica e às questões morais pertinentes no Brasil e no mundo nestes tempos . Não, o texto não precisa (nem deve) abraçar uma corrente ideológica x ou y e muito menos partidária na intenção de defender paradigmas, mas quando se aborda temas como ‘pecado’, ‘moralidade’, ‘crise de consciência’, ‘céu e inferno’, é inconcebível deixar de fora questões corriqueiras e se trancar em uma bolha. Mesmo se tratando de uma comédia claramente despretensiosa, “A Comédia Divina” torna-se raso e desinteressante, sobretudo, por este equívoco.

Se a antiga apresentadora do programa global Vídeo Show é um acerto, o restante do elenco segue no piloto automático, com exemplo máximo para Murilo Rosa, que mais por força do texto frágil e sem ousadia, entrega um antagonista caricato e cem por cento dentro de certa “curva previsível”, algo grave, afinal ele é a antítese do todo poderoso, ou deveria ser.

No ponto de vista técnico, a produção mostra-se repetitiva ao utilizar de maneira exagerada ruídos e explosões como recurso para a exposição da ‘ira’ do tinhoso. Na missa Dark, “reunião de pauta”, conversa com os seus, o aumento abruto da trilha sonora seguido do onomatopeico “ra ra ra rá” maléfico, não causa espanto, nem muito menos riso, apenas mostra-se cafona e ultra convencional. Por outro lado, o design de produção é destoante ao criar um ambiente celestial, no mínimo, elegante, ao passo que o restante dos cenários se mostrem capengas e em alguns momentos constrangedores (em toda a situação que envolve o desfecho, por exemplo).

O ser humano é contraditório. É impossível acreditar que homens e mulheres com suas distintas convicções religiosas e ideias pessoais acerca das ‘coisas’ sejam justos, prudentes, ou pecadores abomináveis o tempo todo. Não dá para ser maniqueísta e o filme, em certa passagem, destaca o erro de tentar ser “sensato no mundo dos loucos”. Para o infortúnio de Deus e do Diabo o homo sapiens é louco, surpreendente e ponto final. É uma pena que por conta das raríssimas ocasiões cômicas e da falta de ousadia dentro do próprio campo da sátira, o longa-metragem seja ineficaz em todas as suas propostas, inclusive em colocar em pauta questões sugeridas por ele próprio, com leveza, inteligência e, fundamentalmente, graça.

2 Nota do Crítico 5 1

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