Camocim

Trio elétrico Chamego na Urna: 2016 – Ao Vivo

Por Gabriel Silveira


Em “Camocim” a realidade política interiorana Brasileira é pintada como um carnaval importado do Bloco Se Aconchegue Que Este Nosso Inferno Não Congela e, mais que abençoado por Dante, o argumento deste foi projetado pela família Sarney junto do bispo Macedo, mas só a parte do inferno mesmo, a dança e a folia só tem como nascer da terra, mesmo que sem explicação, que nem morango fora de época nascendo no meio da caatinga. No filme, Quentin Delaroche estabelece a base da narrativa a partir da jornada da jovem cabo eleitoral Mayara. A moça é, em essência, a viga principal, vital, da campanha eleitoral de César, candidato a vereador pelo partido azul. A partir da fundamentação das personagens na trama, seus traços principais (que não modularão durante o resto da narrativa) denunciam a unidimensionalidade que os atolam em arquétipos conhecidos pela doxa brasileira: César é um homem branco, evangélico, hétero e cis desprovido de qualquer fibra moral ou carisma que poderia servir de engate em sua campanha. Um dos homens que enquadram-se no espectro negativo quando se trata do domínio da retórica; é aí onde Mayara (a mulher cheia de raça, presença e confiança) oriunda de uma família humilde e religiosa, entra. No tom de uma simpatia dirigida à doutrinação evangélica estabelecida no círculo político onde os dois estão envolvidos, Mayara toma a campanha de César pelas rédeas e faz desta sua razão de ser.

Num primeiro momento os dois não expressam as intenções carreiristas que revelam-se em meio a seus íntimos devaneios de cenários de sucesso que seguem logo depois de sessões de discursos de sonhos populistas abençoados. Apesar de frágeis, a dupla de transparece (além uma aparente ausência de vergalhão científico político) uma vontade intensa de jogar e brincar com as regras do jogo em questão, onde aquele tal vergalhão científico peca de magreza perto do peso do malemolente jogo de cintura necessário pra dançar com o jeitinho. A narrativa da campanha de Mayara (como é mais desta do que do outro) acaba chegando a sua conclusão teleológica após construir uma estrutura dramática que funcionou com muito mais potência fazendo-se dispositivo de exposição de um material sensorial de denúncia cru que cheira como podre. A câmera de Delaroche passeia com pudor pelos ângulos que a campanha de Mayara, possibilitando o embate de cara com todo o refluxo vomitado de nosso pragmatismo contemporâneo.

Os adolescentes vadios tomam cerveja enquanto especulam a decisão, todos trabalham ou tem o intuito de trabalhar na campanha de um dos dois partidos (Vermelho ou Azul), mas cada um vestiria preto durante as passeatas de panfletagem, cada um votaria nulo. Na rua, o candidato a prefeito puxa sua caravana até o podium, o discurso começa e o escarro demagógico parece não ter fim, os gritos e cantos dos seguidores soam como aves desafinadas apartadas de um ninho jogadas à queda. “VOCÊS SABEM QUE O QUE O PARTIDO VERMELHO FEZ E FARÁ COM ESSE LUGAR, ESSA TERRA RICA DE GENTE MARAVILHOSA QUE PROSPERARÁ SOBRE TODAS AS CONDIÇÕES SOB MINHA DIREÇÃO” o povo agita tudo e o culto começa, não é uma prece qualquer, é um bloco gospel. No palanque rubro o candidato a reeleição denuncia a penúltima administração AZUL da cidade, onde um furo de 7 milhões foi largado aos quarenta e nove do segundo tempo, mas um combo de apontamento de culpa leva os presente ao delírio; é o máximo que conseguimos captar do discurso vermelho oficial dentro do filme, afinal, estamos de carona na perspectiva de Mayara.

É curioso perceber como a presença da câmera de Delaroche não perde ou ganha qualquer pudor, parece mais que sua mobilidade entra em um estado catatônico de passividade perante ao crescendo que vai desenvolvendo-se diante de sua lente. O povo, que já patético em uma primeira instância, permite o calor daquele chão subir gradualmente a seus nervos, o álcool fermenta e as verdadeiras forma animalescas revelam-se prontas para prestar homenagem a lua que queima. As passeatas que antes não passavam de sessões de panfletagem institucional passam, numa gradação fermentada, a compor dois corpos volumosos e catalisadores daquela folia do desgaste. O time Vermelho finalmente começa a tomar forma, apesar de não apresentar nenhum discurso político, sua caravana carnaval explode releituras da volúpia do funk carioca cheia de corpos desinibidos prontos para gastar a energia daquele tesão — uma senil senhora que bate a cabeça no alto falante que estoura um jingle redux remix de campanha. No lado Azul o coro de Deus ganha força, eles cantam mais alto, com mais potência, mais fé. A cidade tem que mudar. Todo mundo dá PT (não 13), começaram a botar o dedo na cara, afundou-se, já cegou, é muito sangue, ninguém separa, o rojão não para de cantar. Cabou-se, tem mais nada, só há o cheiro da pólvora misturada no suor de cachaça. A poeira abaixa, alguém ganha. Todo mundo reza.

3 Nota do Crítico 5 1

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