“A imperialista”
Por Vitor Velloso
Vislumbrar a ideia de uma pessoa fazendo “justiça” com as próprias mãos, pode ser agradável e crível para alguns, devido à sua revolta com o aparato público de segurança e todos os problemas que o mesmo possui, porém, não problematizar isto, a fim de gerar uma franquia fadada ao fracasso, é covardia.
Dirigido pelo inconsistente, Pierre Morel, “A justiceira”, possui uma história com a diretriz, política e narrativa, marcada pela velocidade, onde a cadência dos acontecimentos na tela e sua relação de misancene são artifícios utilizados pelo diretor, a fim de concretizar o moralismo e o imperialismo norte-americano. No direcionamento do “tudo-se-resolve-na-bala”, a mea culpa do diretor mais parece um afago na consciência do Estado, que uma proposta de discussão plausível sobre o assunto. O fascínio pela violência que escorre nas páginas do roteiro, é comum à cultura estadunidense e infelizmente vêm ganhando força no Brasil, numa postura de “homicídio justificado”, o caos vai tomando conta da sociedade à medida que este tipo de atitude ganha apoio popular.
O filme não é sobre isso, pois a decadência da moral nos Estados Unidos, seja ela estatal ou não, permite que o pensamento disparado no projeto se concretize como uma “solução”. A trama acompanha Riley North (Jennifer Garner), uma típica cidadã americana, que tem sua filha e seu marido assassinados e decide buscar vingança contra o cartel que cometeu o crime. Ela faz um intensivo à la Batman, viaja pelo mundo aprendendo diversas técnicas de combate, retorna à Trumpland e vai atrás de Diego Garcia (Juan Pablo), o homem que ordenou o assassinato. Seguindo todos os padrões Hollywoodianos, a trama irá contar a “história de uma mulher que está cansada de ver as pessoas sofrerem na mão dos criminosos e decide fazer algo em relação a isso, “O protetor” versão feminina. O pensamento reacionário que reina o projeto se mantém fiel até mesmo no moralismo imposto à própria instituição da polícia.
Acreditando que consegue criar algum suspense na corporação, o diretor investe nos personagens policiais, Stan e Moises, John Gallagher Jr. e John Ortiz, respectivamente. A dramatização de toda a corrupção omitida, à priori, do espectador, é hilária. Pois, o público consegue conceber cada passo que o longa dará em qualquer direção, mas Pierre, insiste na tentativa de criar alguma reviravolta capaz de puxar a audiência à uma sensibilidade maior, não à toa, um vício recorrente no projeto é utilizar pequenas vinhetas de distorção de imagem, replicando espécies de vulto, algo recorrente na carreira do diretor. O recurso além de cansativo, tende ao patético, pois, ao invés de ser utilizado como um recurso estético ou puramente dramático, ele é dimensionado à transição.
A tentativa de utilizar o digital como um recurso estilístico soa tão fútil, que parece um filme publicitário amador. A ação em si, que à priori, é a razão do longa existir, decepciona, pois, é criada uma relação de reatividade na misancene que torna tudo tão falso, que a comparação com uma novela televisiva ou uma série policial, é justa. Toda a construção espacial interfere diretamente na cena das mortes que assistimos, ao menos um ponto a ser elogiado. Esta progressão contínua e quase evolutiva das situações, com todos os clichês de dramatização barata da indústria, gera uma espécie de fases a serem avançadas, uma proposta próxima à dos videogames, comum à carreira do diretor.
Em seu desfecho, “A Justiceira” é um dos mais genéricos exercícios de gênero do ano, com uma falta de capacidade em conciliar o elenco que possui com a trama que desenvolve, além de promover uma ideologia moralista tóxica ao público. Ainda que possui um ritmo super dinâmico, que perde pouco tempo com frivolidades, toda a espinha dorsal da história parece sólida como argumento fílmico, porém, tão mal desenvolvida que pouco justifica a experiência, o que é uma pena, pois, há espaço para isso. Como no início do ano, onde vimos “Um dia para viver”, com uma mínima autoria e desenho estético. A própria Jennifer Garner não funciona no papel da protagonista. Seu físico está transformado, mas sua expressividade não transmite a ideia primordial do roteiro. Possivelmente, pelo fato da personagem ser unidimensional, o espectador venha a sentir isso, mas ver toda a dramatização do início, na encenação que assistimos, é retirar todo o peso da trama.