Copacabana Mon Amour
O Grito do Terceiro Mundo
Por Ahriel Spa
Eletrizante, explosivo – prestes a pegar fogo – e, acima de tudo, um desajuste na forma de fazer cinema. Uma das grandes características do Cinema Marginal, e dos filmes de Rogério Sganzerla, como ressalta o mesmo, é que eles refletem a todo tempo seus próprios defeitos. O áudio é terrível, muitas vezes desconexo. A qualidade da imagem muda, num salto entre colorido e preto e branco, a luz muitas vezes é demais, revelando a escassez dos rolos de filmes. Um Cinema às margens de uma produção subdesenvolvida no Terceiro Mundo. Utilizando-se do mau gosto, mal terminado, do sujo, do imoral e do excluído como principal forma de expressão. Com a trilha sonora do fantástico e já consagrado Gilberto Gil, “Copacabana Mon Amour” (uma alusão a “Hiroshima Mon Amour“?), cria uma atmosfera beirando o apocalíptico. Indo na contramão do que estava sendo discutido em sua época, é comum, escutar que “O Bandido da Luz Vermelha” está para o Cinema Marginal como “Idade da Terra” está para o Cinema Novo, mas nesta oportunidade que me foi dada de em alguns bons parágrafos falar sobre o filme que mais me impactou, não posso me guardar ou deixar de celebrar a existência desta obra. Seguindo uma possível comensurabilidade entre Rogério Sganzerla e Glauber Rocha – o queridinho das mesas de bares universitários – ou até mesmo entre Cinema Novo e Cinema Marginal, “Copacabana, Mon Amour”, por mais que não seja a obra mais Oswaldiana do diretor – credito esse título ao “Sem essa, Aranha” – veio para mostrar a todos que não havia e não há a necessidade de se buscar fora, aquilo que já era rico e vasto aqui, muito menos a necessidade de uma busca pelo novo.
Como explica melhor o próprio Sganzerla em uma entrevista sobre seu filme “A Mulher de Todos”, com a atriz e sua esposa Helena Ignez, na falecida revista Pasquim, o tal dito “Cinema Novo” da década de 70 já havia caducado. Sganzerla até se arrisca afirmando que o Cinema Novo teria se tornado um “movimento de elite, paternalista, conservador e de direita”. Sganzerla estava preocupado com outras coisas, muito além de seguir cartilhas de movimentos, grupos ou se prender a costumes estéticos. Ele era um antropófago, que conseguia como ninguém retratar nas suas imagens toda a loucura e tensão que emanava da cidade do Rio de Janeiro daquela época. Daí o nome de sua produtora com o fantástico diretor Júlio Bressane, “Belair”, em tempos de ditadura, quando o simples ato de estar na rua com uma câmera em mãos já significava problema suficiente. O nome que homenageava o modelo do carro que usavam para gravar as cenas de pedestres, descreve perfeitamente o que foram estes tais tempos de repressão a cultura.
Porém, é nessas condições que obra consegue se impor ainda mais no seu lugar de importância, Helena Ignez, que é uma das atrizes mais importantes do nosso cinema, estando presente em boa parte dos filmes mais notáveis já feitos (“O Padre e a Moça”, de Joaquim Pedro de Andrade, “Barão Olavo, o terrível”, de Júlio Bressane, “O Pátio”, de Glauber Rocha, e “O Assalto ao Trem Pagador”, de Roberto Farias, são alguns dos títulos.) performa de maneira espetacular uma cena poderosíssima, arrumando seu cabelo enquanto se olha pelo reflexo da janela de uma viatura da polícia. A forma como conduz sua atuação em “Copacabana Mon Amour”, em meio as ruas caóticas, são eternizadas à medida que atingem a singularidade – aquilo que jamais poderá ser gravado novamente, a cena em que Sonia Silk, sua personagem que tem como sonho cantar na rádio nacional, desmaia na rua, carrega o que há de mais subversivo. Uma mulher que passava por perto – sem saber de que estava em uma gravação – se assusta e segura Sonia Silk, pedindo por ajuda. O Diretor não diz “corta!”, e recomeça a gravar a cena, muito pelo contrário, esse tipo de interação é justamente o que estava sendo procurado. (É bom, para um melhor entendimento do que é esta forma de gravar, se voltar com atenção para os minutos finais de “Barão Olavo, o terrível”, também com Helena Ignez).
Retomando a partir da visão de que Sganzerla sempre buscou em suas obras; a antropofagia, digamos assim, uma auto deglutição. Pondo Joãozinho da Goméia para estrelar a cena de abertura de “Copacabana Mon Amour”, e logo em seguida, apresentar de forma bíblica a árvore genealógica de Sonia Silk, inserindo nessa passagem até então “católica” o trecho: “[…] E Diacuí gerou o Preto Velho Zezinho da Perna dura.” Incesto, Sexo, Homossexualidade e a figura circundante dos marinheiros gringos na orla da praia, foi um soco no estômago do censo. O retrato do brasileiro de direita, sob a ironia e sarcasmo do momento em que o ator Guará Rodrigues, diz do topo de um prédio que a inteligência faz mal ao brasileiro e que a polícia é a solução contra o desastre e o comunismo, e, que sem ela a fome seria ainda maior. O retrato do sujeito que é capaz de entregar qualquer um quando não consegue o que quer, alegando “ser comunista.” Há essa forma péssima de enxergar o Cinema, tendo obras “atemporais” e outras não, todo filme é datado de seu tempo, nossa questão aqui, no Terceiro Mundo é um pouco além, fazemos filmes que “não envelhecem” ou “continuam atuais”, já que nunca deixamos de apostar na desigualdade, na opressão e na exclusão. O Rio, a então Copacabana, por de trás das lentes de um realizador do Terceiro Mundo, se torna Sodoma e Gomorra, e o telespectador fica até o último momento do filme, esperando que essa cidade pegue fogo.
“Seja Herói, Seja Marginal.” – Hélio Oiticica