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Como Matar a Besta

To Kill a Mockingbeast

Por Fabricio Duque

Festival de Toronto 2021

Como Matar a Besta

A misoginia é um problema na nossa sociedade, estando presente em diversos setores da vida cotidiana e do entretenimento. Infelizmente, a indústria cinematográfica ainda é pródiga em narrativas concebidas através da perspectiva de homens – em sua maioria, brancos. Para quebrar com esse estigma, algumas diretoras surgem periodicamente para mostrar a vida através do seu ponto de vista. Com roteiro e direção assinados pela realizadora argentina Agustina San Martín, conhecida pelo seu trabalho em “O Futuro Perfeito”, o filme “Como Matar a Besta”, protagonizado por uma personagem feminina e com elenco majoritariamente composto por mulheres, vai para a conturbada fronteira do Brasil com a Argentina, findando incitar um debate no que tange à emancipação feminina – ao menos, esse aparenta ser o intuito.

A trama é centrada em meio a esse ambiente bilíngue à margem das leis de ambos os países e acompanha a jovem Emília, interpretada por Tamara Rocca, em busca de seu desaparecido irmão, enquanto se hospeda na pensão de sua tia Inés, vivida pela atriz paraguaia Ana Brun – o elenco ainda conta com a presença do brasileiro João Miguel, conhecido pelo público do país por dar vida a Ezequiel na série “3%”, da Netflix. Comumente observado em filmes independentes das últimas décadas, há uma ausência notável de falas e pouca informação é intuída a partir dos diálogos. Geralmente, a falta dessas conversas denota um conhecimento avançado do roteirista acerca da escrita de diálogos para o audiovisual. No entanto, no caso deste filme, a carência de informação não é necessariamente suprida por quaisquer outros elementos visuais, eximindo-o de alguma profundidade em certos quesitos. Além disso, provoca confusão no espectador, que se perde facilmente pela falta de coesão.

Ele se propõe a ser uma espécie de filme de mistério nos primeiros minutos, mas transita para um filme de contemplação, ao passo que tenta incessantemente gerar tensão através do mistério, que não é solucionado no final e, mesmo sendo um fio condutor para a história, não tem a relevância necessária para que assuma um papel importante na construção do enredo. O enfoque maior acaba sendo por parte das relações afetivas da heroína, tanto para com os familiares como para com o seu interesse amoroso. No fim, os acontecimentos são uma analogia para a libertação e a descoberta de Emília, expatriada para esse ambiente bucólico distante da efervescência urbana de Buenos Aires, onde os sentimentos são reprimidos no íntimo do cidadão cosmopolita. Esse processo é descrito por meio do misticismo interiorano na interseção entre o norte da Argentina e o sul do Brasil. Em “Como Matar a Besta”, o melhor exemplo possível é o antagonista, personificado pelo boi. Aparecendo pontualmente ao longo do longa-metragem, ele é essencial para o conflito final da protagonista, representação do clamor por independência da jovem.

A fotografia de “Como Matar a Besta” também denuncia o conhecimento da equipe de direção no que envolve a parte teórica do cinema aliada a prática. Contando com grandes planos abertos e longos planos sequências, a câmera é uma observadora invisível e intangível, que, na pretensão de revelar informações sobre as personagens, enquadra alguns pormenores. Porém, como já dito, essas intenções não se solidificam a ponto de tecer uma narrativa convincente e coerente, como se a diretora desistisse de desenvolver conflitos e relações durante o próprio desenvolvimento. O resultado é um longa de contemplação sem rumo, que finaliza de uma forma exageradamente erótica e não constrói nenhuma profundidade. Outra técnica vista com frequência nas últimas produções independentes é o uso comedido de sons não diegéticos. Em sua grande maioria, os sons, incluindo as músicas que compõem a trilha sonora, são parte do universo da obra, mantendo ao fundo esse aspecto estéril inebriante e imersivo.

Apelativo em demasia, a realização falha com a proposta de trazer à tona o debate no tocante a questões de suma importância na nossa sociedade, discutidas pela perspectiva de uma diretora mulher, e termina sendo um conglomerado de cenas desconexas de um período da vida de alguém. A pretensão de ser pivô da subversão dos valores desvirtua o enredo do seu propósito: contar uma história. Ao menos, existem boas lições que podem ser tiradas desse trabalho. Especialmente na parte técnica, que não deixa muito a desejar e dá esperança ao público sul-americano, a diretora tem sucesso na tentativa de atingir o padrão de qualidade internacional na fotografia e na captação de som.

2 Nota do Crítico 5 1

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