Código Preto
Entre a cruz e a espada: Quem traiu quem?
Por Fabricio Duque
É indiscutível afirmar que o realizador estadunidense Steven Soderbergh conhece as artimanhas dos gêneros que escolhe para seus filmes, especialmente se for de espionagem. Suas construções conduzem os espectadores por uma teia de segredos, num suspense de situações (casuais, premeditadas e/ou provocadas) com um que de Agatha Christie (pelas personagens mais misteriosas e dúbias), com um que ainda maior de Alfred Hitchcock (pelo estilo técnico característico, como a câmera que tenta captar expressões como dicas). Sim, Soderbergh bebe diretamente nas fontes referenciais cinéfilas, mas amalgama toda essa criação narrativa de thriller com autoralidade e personalidade próprias (chamada de “geração indie”), porque cada plano se desenvolve como uma composição na estética da própria imagem blasé e numa ultra-naturalista elegância coloquial fluida nos comportamentos automatizados (acionados) de suas personagens (numa aura mise-en-scène de atitude genuína). Steven tem controle total e absoluto sobre sua direção e especialmente na escolha de seus atores, amigos “grandes” (famosos) que sempre trabalham com ele, como Cate Blanchett, Michael Fassbender, que integram o elenco de seu mais recente filme “Código Preto”.
O longa-metragem “Código Preto” mergulha nas vidas privadas de agentes-espiões, contando em dias da semana suas intimidades, necessidades do trabalho, segredos (protetores e protegidos), verdades pragmáticas, jantares “sincerão”, jogos psicológicos e interações sociais altamente sagazes e perspicazes, por causa de suas “mentes excepcionais e brilhantes”. É um filme de cenas. Sua narrativa é de condução acompanhada, “tentando” nos ambientar nas complexas informações, “jogadas”, de suas conversas (porque tudo o que falam tem sempre um background – uma peça-causa do passado que interfere no agora deles). Sua fotografia busca um espelho cotidiano de Londres, com sua luz estilizada, fria e noir, saturada a ultra-exposição da luz artificial das lâmpadas soando como espectros vazados das luminárias. Cada uma de suas personagens atua num arquétipo específico. Há o perfeccionista, o sistemático, a quase ninfomaníaca (que tem “tesão de código”) e há o traidor entre eles. Quem será? É aí que o filme busca descobrir, entre falsas pistas, manipulações, desvios doentios, verdades alteradas, tudo para confundir o público a não acertar logo de início.
“Código Preto” é também uma experiência. Que nos inclui neste jogo de desmascarar o mentiroso, em vivência nas moralidades sociais e olhares precisos de “poker face” para não entregar nada e nunca “mostrar as cartas”. É apostar, pagar ou desistir. Entre close no resto de comida no prato, ingresso no lixo do filme “Dark Windows”, a ópera, o polígrafo, os diálogos técnicos, relatórios “prudentes”, psicopatas “doidinhos fofos”, e patologias crônicas-idiossincráticas, e num outro que de “Sr. e Sra. Smith”, o longa-metragem aqui quer normalizar o ambiente integrado por trás da trama propriamente dita (e suas consequências esperadas). Steven, com o roteiro de David Koepp, faz um filme “coral” só que muito bem costurado entre todos os núcleos. Tudo aqui é arquitetado e milimetricamente organizado. E assim, os comportamentos robóticos de suas personagens em missões de “vida e morte” à favor da Nação (num teste definitivo de lealdade a seu casamento ou a seu país), sempre em contra-planos (metafóricos ou não) e sem emoções possíveis (mas cada um ali amando o outro do seu jeito tronco).
O filme quer transpassar isto na tela: essa sensação de relações superficiais, quase não humanas. São cúmplices, práticos, frios e diretos sem serem sensíveis. Até a própria terapia psicanalítica é um desafio-teste para se esconder ainda mais, inclusive a dose do Zolpidem. São jogadores de xadrez – todos querendo a peça-movimento “rainha”. Todos ali sabem rebater, mas uns mais que os outros em seus argumentos, oratórias, hostilidades e blefes. São e precisam ser dissimulados e paranóicos. “Código Preto” é assim: um “convite” à clandestinidade intimista desses seres que estão muito “à frente” das jogadas e que as fazem com “os pés nas costas”. É, esse meio de “Inteligências” não deve mesmo ser muito saudável de se viver. Internalizar essa toxicidade toda deve requerer anos de prático, nível “007″ (que por sinal temos um James Bond aqui, o ator Pierce Brosnan que o encarnou em “Um Novo Dia Para Morrer”). É, este é um filme universal de espionagem. De situações difusas, de percepções erráticas (para confundir) e estéreis em seu propósito (para não “roubar” demais a cena apenas com a forma do estilo). Sim, você já viu este filme, mas como um novo “007” não se cansa de querer novamente!