No primeiro dia da Mostra CineBH, as apresentações giraram em torno da atual colocação do Brasil no cenário cinematográfico internacional, após o sucesso do país nas premiações do ano, além dos altos números de indicações em Locarno, Cannes, Veneza, Berlim etc. O que diz respeito à situação política do país, logo, a abertura foi cercada dessas pontuações contundentes acerca dos corpos do subdesenvolvimento ante as políticas governamentais que buscam extinguir o processo cultural e artístico. Não à toa, o longa de abertura escolhido foi “A Vida Invisível“, que já possui crítica aqui no site.
Entretanto, as discussões temáticas do 13o CineBH, não se distancia da proposta citada acima, a internacionalização do cinema brasileiro é o foco central dos debates aqui. Iniciando a discussão na abertura, a continuidade se viu já no segundo dia, onde a primeira Masterclass tem como partida “Filmes de Plástico no Mundo – A produção cinematográfica da produtora em 10 anos de trajetória”. Que tinha a intenção de debater sobre a “Filmes de Plástico”, produtora homenageada da edição e flertar com a temática da internacionalização, já que seus filmes marcaram presença nos festivais.
Dentro de uma verve próxima aos outros festivais da universo, a regionalização é uma marca do CineBH, que valoriza o cinema produzido fora do eixo Rio-SP, mas compreende isso como uma maneira de resistência ao foco da produção nacional. Neste debate, tivemos a presença de André Novais, Gabriel Martins, Maurílio Martins e Thiago Macêdo Correia, todos cineastas, todos de MG, que compõem a Filmes de Plástico. Com mediação de Marcelo Miranda, o papo mineiro surgiu sem dificuldades, trabalhando as limitações das produções nacionais, mas com um esmero que vem conquistando não só o público brasileiro, mas o mundo. Mas sempre com a indagação necessária: Quais as perspectivas que temos para o futuro do cinema e a guerra ideológica contra a Ancine travada pela frente política que vivemos? Infelizmente as respostas são pouco animadoras e vem preocupando não só o mercado de cinema, mas todo o setor cultural do país, já que além do fomento e do apoio, o “filtro”, a máscara da censura, vêm se tornando uma realidade a ser contornada.
O debate seguinte foi no mesmo tom desesperançoso, “A internacionalização do cinema brasileiro e os desafios para o futuro”, com a presença de Janaína Oliveira, curadora e programadora de Festivais, coordenadora Ficine -RJ, Eduardo Valente, cineasta, crítico e programador de cinema e ex-assessor internacional da Ancine-RJ e Rodrigo Teixeira, produtor RT Features-SP. Com mediação de Francis Vogner dos Reis, curador da Mostra, o debate tocou novamente nos pontos políticos que o Brasil vem enfrentando em seu cinema e dos sucessos de “Bacurau” (leia nosso artigo livre aqui) e “A Vida Invisível” em Cannes deste ano. Não há perspectiva positiva para os próximos anos, pelo contrário, a partir do ano que vem o Brasil enfrentará a diminuição, drástica, de seus filmes nos festivais e em 2021, se tudo permanecer como está, a escassez poderá ser uma realidade.
Durante a conversa Rodrigo Teixeira, conta uma história onde procurou Osmar Terra, Ministro da Cidadania (antiga Cultura), para falar sobre determinados projetos, que estavam incluídos na lista de “filtro” do governo. E Osmar não poupou palavras, disse que problema nacional era trilha sonora, que não sabíamos fazer trilha, portanto seria uma exigência da Ancine, daquele momento em diante, que os longas nacionais invistam nisso, pois, segundo ele, o brasileiro pega o dinheiro da trilha e enfia no bolso.
Quando Rodrigo argumentou que isso era impossível, já que há a prestação de contas, o ministro insiste que eles não sabem fazer prestação de contas e usa como argumento de trilha exemplar, “O Primeiro Homem” de Damien Chazelle. A incapacidade do governo de compreender a postura do cinema nacional, não está ligada única e exclusivamente à entreguismo norte-americano, mas também à ignorância completa, pois RT comenta que o engravatado não sabia nem do sucesso recente do Brasil nos festivais internacionais. A gangrena que se alastra dos asfaltos de Brasília para o país é tamanha, que Osmar avisa a Rodrigo que um dos problemas que eles irão enfrentar daqui para frente é o “filtro” dos projetos, que já inclui mais de um longa produzido pelo brasileiro. “O Brasil enfrenta o próprio governo para que seus projetos sejam realizados, o regresso só se compreende através da “ordem” autoritária”.
https://youtu.be/jREH2zAsmX8
Em seguida, uma sessão com os curtas da Filmes de Plástico ocorreu no Cine Humberto Mauro, contemplando: “Filme de Sábado”, de Gabriel Martins, “Fantasmas”, de André Novais, “Contagem”, Gabriel e Maurílio Martins e “Pouco mais de um Mês”, de André Novais. Às 19h, também no Cine Humberto Mauro, “Os dias sem Tereza”, de Thiago Taves Sobreiro, foi projetado. E às 21h, a sessão de curtas da “Filmes de Plástico” foi projetada novamente, pois ocorreu um problema técnico com “Paul Sanchez está de Volta!”.
Antes de encerrar o texto, um dado que está no catálogo da Mostra:
O público total, brasileiro, nos cinemas em 2019, até agora, é de 164.437.193. Desse número, a presença em filmes nacionais é de 24.042.319. O market share de filme estrangeiros é de 85.4%, o de filme nacional é 14.6%. Enquanto a maior bilheteria e o maior público é de “Vingadores”, a maior bilheteria nacional é de “Nada a Perder” (…).
O preço médio do Ingresso chega aos 14,6.
Bom, o preço de um filme nacional é o mesmo de um estrangeiro.
Agora, já passou da hora de apoiar o cinema nacional como um todo, não apenas “Bacurau”. Veremos se “Torre das Donzelas”, que estreia hoje, terá a mesma comoção. Eu duvido.