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CineBH 2018: Mostra Histórica


A Mostra Histórica do CineBH 2018

Por Vitor Velloso


A mostra histórica do 12º Cine BH, que conta com a participação do João Luís Vieira, professor, crítico e pesquisador, e Roger Koza, crítico e pesquisador, foi uma seção da construção do festival, pois, pensa em um resgate histórico e político de um momento que determinados países latinos viveram. A fim de representar isto melhor, foram escolhidos três filmes, pelos próprios pesquisadores, a fim de sintetizar todos os debates em torno de uma temática conjunta.

O primeiro a ser exibido foi Carnaval Atlântida, com direção do Burle e do Carlos Manga. É completamente impossível um ser humano não se divertir com este filme. Lewgoy, Oscarito e Grande Otelo juntos. Inicialmente João argumentou que um dos motivos de ter escolhido o longa, para além da sua importância e apelo popular, foi uma percepção que ele obteve de um “filme de resistência”. Ele se referiu ao próprio fazer cinematográfico e à cultura Brasileira, de modo geral. O curioso é que os debates seguidos das sessões indicavam o profundo interesse que diversos espectadores tinham sobre todas aquelas questões estéticas e políticas que estavam sendo abordadas na aula.

As palavras do professor foram precisas. Trata-se de um filme, que abraça a cultura nacional e vai de confronto à proposta clássica de se fazer cinema. Introduzindo na narrativa conflitos à cultura clássica, quase como uma metalinguagem que os diretores propõem. Oscarito não é apenas um grande comediante, como um ator extremamente talentoso, Grande Otelo sempre rouba a cena com sua comédia absurda e ao lado do Lewgoy, compõe uma química extremamente orgânica e cômica. Conscientemente, a linguagem consegue ser moderna para a época de sua realização. Alguns planos que caçoam dos grandes musicais, impõe ao longa uma estratégia de paródia, ao mesmo tempo que se atém a uma estrutura original. Sempre buscando o humor como progresso narrativo. Mas toda essa carga cômica, vêm acompanhada de um subtexto cultural bastante complexo. Algumas questões estão desatualizadas, é verdade, mas faremos concessões, já que o filme possui 66 anos.

Qualquer comentário feito à “Carnaval Atlântida” é chover no molhado. Um grande filme, que merece ser visto e revisto pelo povo brasileiro como um ode à cultura nacional. Assistir ao longa poucos dias antes da tragédia com o Museu Nacional acontecer é uma experiência que criará uma chaga na minha memória da Mostra.

Seguindo a Mostra Histórica, temos a exibição mais que especial de “Pajarito Gómez” em 35mm. Uma obra monumental sobre um personagem que atinge o prestígio midiático e é completamente moldado a fim que se torne um produto vendável e palatável para todas as gerações na Argentina. Uma resolução à lá Antonioni, que se encanta pela arquitetura e pela mobilidade da encenação em campo semi estóico. Além das atrizes que lembram as beldades europeias, como a Monica Vitti. A inspiração é bastante direta, todo o pessimismo do neo realismo é construído através da progressão trágica que se dá ao longo da estrutura do filme. Existe uma enunciação constante de um fim fatalista, e por isso, o público fica na expectativa, analisando os planos e tentando compreender o protagonista, pois, sua postura diante do mundo parece indiferente, como se aceitasse qualquer resolução para a sua vida que ele estaria satisfeito. Assim, uma pequena parábola é feita, quase como um sonho, extremamente lúdico, daquilo que representa a carreira dele, para ele. Um ego que se expõe do nada e se apresenta para ninguém. Essas breves, mas potentes, digressões que o diretor, Rodolfo Kuhn, propõe, intensificam uma modernidade à forma fílmica na Argentina momentos antes do golpe.

Estes longas “vanguardistas” pré-momentos de repressão parecem evocar esses presságios de maneira extremamente consciente, e aqui não é diferente. Toda a progressão ao clímax é de um potência avassaladora e destrói os sentimento de quem assiste. Ainda que sejamos capazes de prever parte dos passos do roteiro, quando temos o desenho final… uau. A demonstração de como o ser humano importa para a mídia e o capital, apenas enquanto o mesmo promove lucro. E quando parece que estamos diante de um conceito mais lúdico de concretização da imagem de um ídolo, no último plano recebemos uma bomba, que revive o neo realismo de maneiro tão crível e próxima à nossa cultura latino-americana. Uma das maiores obras sobre a cultura de alienação em um país de subdesenvolvimento.

O último da Mostra foi o inacreditável “Vítimas do Pecado” do Emilio Fernández. Outra construção neo realista que arrebenta a misancene do cinema no México, impondo à arte a tarefa de denúncia, à condição de sub dignidade que a mulher é obrigada a enfrentar de forma cíclica, sem solução aparente. A cópia que exibiram estava lindíssima e o público foi extremamente receptivo à obra. Na trama, Violeta (Ninón Sevilla), dançarina do “Cabaret Changó”, resgata um bebê da lata de lixo, deixado por uma funcionária do estabelecimento. Violeta é expulsa do Cabaret por levar seu filho para o trabalho e tem que reconstruir sua vida. A fotografia assinada por Gabriel Figueroa, conduz a narrativa em um tom sempre melancólico e à beira de um colapso generalizado, algo próximo ao que vemos em “Los Olvidados” de Buñuel, onde ele também faz a luz.

O preciosismo de cada plano, de cada construção dramática a partir da cenografia e da direção de arte, enche os olhos do público. Trata-se de um melodrama verdadeiramente latino, o sentimento de perda e de um deslocamento social agressivo é o que norteia a história. E quando pensamos que tudo está caminhando para o lado certo, algo acontece e rompe nossas expectativas. Um breve mas importantíssimo destaque ao filho dela, Joanito (Ismael Pérez), que sempre protagoniza as cenas mais intensas, emocionalmente, do filme. Fechando a Mostra com grande estilo e com um final inesquecível.

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