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Cine São Paulo

Memória e preservação

Por Vitor Velloso

É Tudo Verdade 2017

Cine São Paulo

Em um momento nacional onde a memória se tornou objeto de dúvida e negligência, “Cine São Paulo” vem para mostrar a todos que o assunto não é objeto de nicho intelectual, muito menos de uma polarização política. A história de uma cidade pode, e está, diretamente ligada ao seu âmbito cultural, logo, preservar essa essência, seja em estrutura ou espírito, é manter uma característica singular deste local.

Dirigido por Ricardo Martensen e Felipe Tomazelli, o documentário irá contar a história de Chico, que busca revitalizar o cinema que seu pai comprou na década de 40. Partindo dessa premissa, o filme concentra seus esforços em centralizar a luta diária de Chico para que haja interesse de outras instituições na empreitada de colocar novamente o Cine São Paulo na ativa.

A forma é simples e direta, sem experimentações na linguagem. Os diretores filmam todo o processo, com pouquíssimas interferências nas história que o protagonista conta e busca construir a narrativa através das filmagens que realizaram, sem recorrer ao material de arquivo, gerando uma fidelidade e uma proximidade bastante legítima com o momento retratado. E esse artifício traz ao espectador uma das forças do projeto, Chico, que não apenas é o eixo do longa, como consegue cativar tudo ao seu redor.

Seu carisma cria a estrutura para toda a montagem, ainda que exista o objeto do cinema em si, o sonho que está por trás e toda a afetividade envolvida, é o motor do documentário. Não à toa, ao sairmos da sala de cinema, compreendemos que a própria natureza da película se modificou em sua produção, há um deslocamento do foco para o Chico. E a paixão do mesmo pelo cinema, traz uma nova perspectiva às discussões que cruzam a tela, gerando um vigor muito positivo naquilo que torna-se a base do fascínio pela sétima arte. Não é uma questão de vaidade ou mesmo necessidade de trabalhar uma particularidade familiar, mas acima de tudo, reconhecer ali aquilo que faz do cinema uma arte coletiva, onde todos se reúnem e assistem a um filme.

Assim, é fácil compreender as principais motivações do protagonista, já que é uma maneira de dar uma possibilidade distinta à cidade de Dois Córregos de ter um acesso cultural mais amplo, de agregar as pessoas uma vitalidade que não se enclausura no tensionamento frígido dessa contemporaneidade que individualiza nosso tempo. Ainda que tenha facilitado o consumo da arte cinematográfica, os novos meios de exibição contribuíram para esse afastamento de uma experiência coletiva que gera debate, que imprime um caráter empírico do ato de assistir um filme.

Não é parte de um conservadorismo de essência, mas essa construção de atitude diante dessa postura imediatista e conformista do que caracteriza o cinema, não agrega em nada qualquer militância que se faça pelo mesmo, muito menos se te ver origem política. Tangenciando brevemente, se criarmos um paralelo que discute as pessoas que não foram no cinema ver “Bacurau”, do Kléber Mendonça Filho, pois irão baixar, ver em VOD, alugar etc, fica claro que grande parte da materialidade histórica e da proposição política do filme, se perdeu. O individualismo que as grandes instituições pregam, venceu. Logo, o desejo de Chico, não sintetiza uma nostalgia de parte da sua vida, não categoriza um breve momento de sua infância, mas expõe a necessidade de se ter uma sala de cinema em sua cidade.

E essa diretriz está expressa diretamente na maneira que os diretores constroem seu filme, com uma simplicidade contundente que busca desenhar os espaços e as pessoas que estão contribuindo para a revitalização desse cinema de maneira a determinar um objetivo para todo a epopéia que se propõe, logo, não há abstrações na trilha sonora, na montagem ou mesmo na maneira de se contar aquela história.

Como contraponto, essa necessidade de cercar a imagem nesse compromisso em acompanhar todo o processo, acaba deixando de lado à própria cidade. Ainda que haja entrevistas com moradores acerca da memória do cinema, o espectador fica órfão da geografia da cidade, de como a vida funciona fora daquele espaço e da necessidade da obra para a mesma (de maneira visual).

Ainda assim, “Cine São Paulo” é eficiente em demonstrar como a memória é parte da identidade de qualquer pessoa ou local e narra a paixão de um cidadão que deseja um respiro novo para o local que fez parte de sua vida.

 

3 Nota do Crítico 5 1

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