Casa Gucci
Especulações e suas previsibilidades
Por Vitor Velloso
Festival de Veneza 2021
O Oscar é conhecido por esnobar algumas obras que recebem grandes menções especulativas pela mídia estadunidense. “Casa Gucci”, novo filme dirigido por Ridley Scott entra para a categoria dos ignorados pela Academia. Se por um lado a imprensa criou grande repercussão com o longa, a maior decepção foi ainda maior com o resultado do projeto, que não apenas ficou abaixo dos esperados pelos fãs dos atores, como vem tendo uma recepção ainda menos calorosa da crítica cinematográfica.
Sem grandes surpresas, o fiasco das ideias apresentadas em “Casa Gucci” se dá pela união dos nomes envolvidos e de uma construção narrativa recheada de problemas de ritmo, interpretação e reconstrução histórica dos eventos. Ora, os últimos trabalhos de Ridley Scott demonstram a decadência exponencial de um cineasta que segue vivendo de filmes isolados para consolidar o termo “visionário” nos trailers de divulgação. De toda forma, seu novo projeto conta com alto investimento e elenco particularmente relevante: Lady Gaga, Jeremy Irons, Adam Driver, Jared Leto, Al Pacino e Salma Hayek. Mas se a indicação ao reformulado prêmio de “Maquiagem e Penteado” foi timidamente comemorada entre os fãs, o mesmo não se pode dizer à grande quantidade de indicações que passaram em branco para o projeto.
Nesse sentido, o espectador que suportar às duas horas e meia de projeção, poderá constar as razões das diversas ausências. Aliás, semelhante a tudo que Ridley Scott vem assinando recentemente, as próprias interpretações dos atores soa como uma caricatura de uma ideia, uma espécie de conceito que nunca se materializa na íntegra. Um exemplo disso é como Lady Gaga e Adam Driver parecem estar no centro de uma ficção mal articulada, que deixa uma série de questões em aberto, tentando verticalizar a trama para uma construção que torne o conflito de interesses cada vez mais complexo, ainda que seja freado pelas próprias limitações do diretor. Tal como “O Conselheiro do Crime” (2013), a grande pompa de um universo particularmente extravagante, vai sendo esvaziada em uma representação que está sempre procurando novas intrigas internas para dimensionalizar essas relações a partir de um recorte de espaço cada vez mais amplo.
“Casa Gucci” sofre drasticamente com suas interpretações centrais e uma direção maniqueísta, sempre disposta a introduzir os cenários com constantes maneirismos, seja com a câmera passeando breves setores dos espaços, ou mesmo a necessidade de utilizar a fotografia para reiterar o espectro dramático de seus personagens, tornando a experiência ainda mais enfadonha. Não por acaso, a montagem segue o mesmo caminho, reforçando a mimética de um universo cada vez mais previsível em suas resoluções estéticas, como a cena que o espectador aguarda: o assassinato. Toda a montagem paralela envolvendo a banheira à meia-luz e os diversos cortes que procuram tensionar o conhecido acontecimento, demonstra a necessidade de um didatismo na correlação desses espaços, explicitando uma certa moralidade, comum ao cinema de Ridley Scott.
E se a reconstrução de 78-95 pode criar uma percepção particular de cada época, o mesmo não pode ser dito entre os próprios cenários que são explorados pela obra. Logo que o “mistério” é rompido e o espectador é apresentado à família Gucci, a produção procura reforçar que nenhum acontecimento pode ser reconhecido como trivial. A verdade é que as fofocas, intrigas e brigas por poder, não se sustentam diante de uma expectativa que perde força com a progressão. O personagem de Jared Leto, ainda que real, é apenas um recurso utilizado para encontrar uma caracterização mais direta de particularidades dos protagonistas. Semelhante, Jeremy Irons é subutilizado nesse campo gravitacional de estilo e Salma Hayek é o objeto de fetiche de um exotismo pouco compreendido pelo filme, mas caracterizado pela imagem latina e pela força midiática que possui. Não obstante, a mera sugestão de uma utilização deste poder pela personagem, aparece como uma mera questão especulativa.
Um dos longas-metragens mais aguardados do ano, é pouco do que esperavam, mas revela como a reverência ao público pode ser prejudicial na tentativa de completar um quebra-cabeça tão explícito como o jogo do capitalismo. Quando “Casa Gucci” revela que a empresa, hoje, não possui nenhum sócio da própria família, apenas reafirma que o caráter dessa indústria é a capilarização de um ideal através de classes sociais diversas. Se um personagem evoca que “o maior símbolo da Gucci é a própria Gucci”, o mesmo não ocorre com um filme que passa tanto tempo construindo uma trama de crime que acaba esquecendo de desenvolver o suficiente para que o público possa sentir o impacto da ação, mesmo que a toxicidade dessas relações evoquem uma problemática superior ao seu próprio tema. Assim, a menção no Oscar, mesmo que apenas em “Maquiagem e Penteado”, deve ser comemorada com vigor. Se nem os aplausos eles foram capazes de arrancar dos fãs, a chance de uma estatueta Hollywoodiana é um milagre concedido pelo lobby da especulação midiática.