Ayka
Até quando ela aguenta?
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Cannes 2018
Exibido no Festival de Cannes 2018, o concorrente do Cazaquistão a Palma de Ouro ,“Ayka”, busca conduzir o público pelo cinema direto da verdade, potencializando o drama da personagem a fim de construir uma ligação afetiva e uma sinestesia visceral do acontecer. O espectador é colocado no limite da ação e nas escolhas da protagonista em tentar sair das adversidades, que começa em uma maternidade com quadrigêmeos e seus choros irritantes. A mãe só pensa em fugir dali. Lá fora, as nevascas de frio congelante das ruas da Rússia. E vai trabalhar numa fábrica de frangos.
O filme tem estrutura semelhante do cinema romena, com um que do filipino Brillante Mendoza, quando a câmera a acompanha, correndo atrás. Nós nos tornamos cúmplices. Estamos com ela. “Ayka” é sobre a sobrevivência dia-a-dia o cotidiano do mundo moderno, de origem cazaque que vive ilegalmente em Moscou. E que não pode parar nunca, nem mesmo descansar pós parto. De metrô lotado a longas caminhadas. Cada vez, nossa guerreira perde tudo. Até quando ela aguentará?
Ayka (a atriz Samal Yeslyamova, que venceu na categoria de Melhor Atriz aqui em Cannes) é uma jovem que dá à luz num hospital local, mas abandona o seu filho por medo de ser descoberta e deportada. Logo depois, ela enfrenta as complicações pós-parto, a fome, a solidão, a falta de emprego e a perseguição da máfia local, a quem deve dinheiro. Um dia, os mafiosos exigem que Ayka volte ao hospital, recupere o bebê e entregue a eles.
“Ayka” aprofunda o submundo do mundo cão, mas o diretor Sergey Dvortsevoy (de “Tulpan”, este que venceu o Un Certain Regard 2008 e que importou sua veia documentarista de seus quatro filmes anteriores) talvez se esforça demais para criar a espontaneidade, optando mais por documentar e contemplar a crônica que aproximar o público à história, que intensifica a restrição do limite em resolver as tragédias, com um que de “Corra Lola, Corra”, de Tom Tykwer, e “Filho de Saul”, de László Nemes.
É também um longa-metragem que questiona as dificuldades dos imigrantes, que, auto-anistiados em busca de uma vida melhor em novas geografias, precisam se submeter a outras regras sociais, licença para trabalhar, por exemplo, e lidar com expirações documentais e deportações se algum, ainda que mínimo, passo fora do eixo acontecer. Mas Ayka ainda que perdida encontra a solidariedade dos outros. Sim, nós aprendemos uma das grandes lições da vida: alguém sempre ajuda.
Ayka embarca em uma jornada de reinvenção, entre escatologias, vozes ouvidas, Copa do Mundo, alucinações, tudo traduzido por uma orgânica atmosférica, que quer naturalizar pela amadorismo ultra-realista e visualmente estético. A cazaque sofre todo tipo de complicação, até parece que um sádico e cruel jogo, passando por intimidação de agiotas, por floresta e pressões que não acabam nunca. Até quando ela aguenta? POr seus instintos naturais mais primitivos?
O Cazaquistão foi a última das repúblicas soviéticas a declarar independência após a dissolução da União Soviética, em 1991, e historicamente habitado por tribos nômades. É povoado por 131 etnias. Localizado no Ásia Central tem fronteiras com Rússia, China, Quirguistão, Uzbequistão e Turcomenistão. Seu cinema é não é vasto e pode englobar reconhecidas obras, como “Doroga k materi”, de Akan Satayev e Timur Zhaksylykov; “Shal”, de Ermek Tursunov; “Vozvrashchenie v ‘A’”, de Egor Konchalovsky; “Gibel Otrara”, de Ardak Amirkulov; “Zabludivshiysya” e “Zhauzhürek myng bala”, de Akan Satayev, e todos selecionados como representantes do país ao Oscar.
“Em 2010, nas maternidades em Moscou foram dados por suas mães do Quirguistão. Eu fiquei em choque por um longo tempo após ler essa notícia no jornal. Como pode isso? Qual a razão destas mães em massa desistirem de seus filhos, os abandonando em um país estrangeiro? Eu me dei conta que tinha que fazer um filme sobre isso: uma garota que abandonou seu recém-nascido e as circunstâncias que a levaram a esta decisão. É um filme sobre todos nós: o que acontece quando relações entre uma pessoa e seu meio resultam extremos que começam a deteriorar a moralidade. A própria vida, natural, deve intervir e forçar o individual a reavaliar e mudar, às vezes contra sua própria vontade”, finaliza o diretor Sergey Dvortsevoy aqui em Cannes.