Mostra Um Curta Por Dia 2025 - Maio

Bolero, A Melodia Eterna

O sono sexual

Por Vitor Velloso

Festival Varilux de Cinema Francês 2024

Bolero, A Melodia Eterna

O novo filme de Anne Fontaine (de “Marvin“, “Gemma Bovary – A Vida Imita A Arte“, “Coco Antes do Chanel“) é uma confusa tentativa de traçar a carreira de Ravel, ao mesmo tempo que procura, de forma insistente, nos apresentar os caminhos de seu maior sucesso, Bolero. Assim, “Bolero – A Melodia Eterna” é uma obra que tenta seguir um caminho burocrático de cinebiografia, apresentando a frustração, a volta por cima e o sucesso, mas sem saber como organizar cada etapa de maneira harmônica.

Desde o início da projeção, o espectador já sabe como o projeto vai se desenvolver e qual será o tom do drama — aliás, já vimos “esse filme” diversas vezes. Não por acaso, cada nova etapa, marcada por uma mudança drástica de tom, soa previsível e torna ainda mais cansativa a experiência, especialmente por conta da estratégia de utilizar Bolero como uma forma de marcar todas as fases do projeto, funcionando como uma muleta para o avanço dramático. Por outro lado, os personagens secundários também são utilizados como pontos de fixação de determinados momentos pessoais de Ravel, interpretado por Raphaël Personnaz, que constantemente profere frases de efeito questionáveis, emulando uma filosofia pouco elaborada e preguiçosa, justamente por tentar encerrar o debate por meio de linhas de diálogo genéricas. O roteiro, assinado por Anne Fontaine, Claire Barré, Pierre Trividic e Jacques Fieschi, ainda delega aos personagens coadjuvantes a difícil tarefa de proclamar parte dessas frases de efeito, agravando a superficialidade presente em quase todas as figuras do filme, que não apenas são mantidas como gatilhos para o avanço da narrativa, mas também são desperdiçadas como possíveis pontos de contraste com a teimosia incondicional do protagonista.

Aliás, um dos poucos pontos em que “Bolero – A Melodia Eterna” consegue se distanciar da “papelórica” indústria cinematográfica francesa contemporânea — que se recicla de forma cada vez menos elaborada — é ao expor como o caráter sexual de Bolero é renegado ou ignorado pelo próprio criador. Ainda assim, a forma como isso se apresenta no filme revela as fragilidades de uma proposta que não se desenvolve, mantendo apenas um desejo explícito de tocar Bolero repetidamente ao longo da projeção, marcar etapas da vida de Ravel e levantar pequenos — e brevíssimos — questionamentos sobre a arte por encomenda. O novo projeto de Anne Fontaine é solúvel em todos os seus aspectos: apresenta-se diluído em múltiplas frentes de debate e não se preocupa em desenvolver um único aspecto específico de suas temáticas, apenas atravessa tudo de forma apressada e desordenada para que possamos chegar a um clímax “digno” da grandiosidade da obra do músico. Aliás, essa suposta catarse torna-se um momento um tanto constrangedor, que tenta simular o desfecho de “Juventude” (2015), dirigido por Paolo Sorrentino — que, diga-se, também não é exatamente original.

Por fim, “Bolero – A Melodia Eterna” é um filme que, assim como seu protagonista, vive uma profunda crise de identidade. Não é uma cinebiografia, tampouco um projeto sobre Bolero; é apenas uma tentativa de recorte para sintetizar informações e passagens em tempo recorde — tentativa que fracassa durante a maior parte da projeção. A fotografia de Christophe Beaucarne é tão genérica quanto poderia ser e é incapaz de transmitir uma emoção intensa sem recorrer às frases de efeito dos personagens coadjuvantes. Aliás, a fotografia parece querer esvaziar toda a dimensão carnal envolvida em Bolero, suavizando os ânimos e alinhando-se à indiferença presente nesse cinema comercial francês dos últimos anos.

Sem qualquer inspiração, “Bolero – A Melodia Eterna” torna-se estéril ao tentar racionalizar cada nova etapa e utilizar a música como muleta para seu desenvolvimento. Sua incapacidade de compreender seus personagens e de complexificar a relação arte x criador x criatura x desejos, entre outros aspectos, é justamente o que faz do filme uma experiência arrastada e desinteressante. Não é um projeto que estuda essas camadas — ele apenas as reproduz. Da mesma forma que Ravel está em crise com sua criação e possui uma metodologia meticulosa de trabalho, Anne Fontaine parece querer marcar todas as checklists para garantir a distribuição de seu filme, abdicando de todo e qualquer traço pessoal para se tornar um produto reconhecível, solúvel e facilmente digerível.

Em determinado momento do longa, Ravel diz achar que se perdeu na própria música. Pois eu não tenho dúvida de que seu personagem nunca se encontrou — tampouco o filme.

2 Nota do Crítico 5 1

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