BlackBerry
Tragédia empresarial
Por Vitor Velloso
Festival de Berlim 2023
Quando o projeto de “BlackBerry” foi anunciado, existia uma grande expectativa quanto à abordagem do filme, pois a escolha de Matt Johnson para a direção dava indícios de uma obra nada convencional e de uma “biografia empresarial” mais despojada que o comum. Entretanto, só parte do estilo consagrado pelo diretor aparece em seu novo trabalho, ajudando na formulação de algo menos maçante, ao mesmo tempo que vemos um processo histórico particularmente fragmentado em uma narrativa que possui bons momentos e uma irregularidade notável.
Toda a construção inicial de “BlackBerry”, tomando de empréstimo os estereótipos dos “nerds” e “pessoal de T.I”, é relativamente divertido, ainda que anacrônico, e representa bem um estilo particular de seu contexto. Contudo, é na forma de representar a fundação da empresa e surgimento das ideias que o espectador pode se divertir com essa caótica trajetória que deságua no acontecimento que dá título ao filme. Quem viveu o período áureo do BlackBerry sabe o que o aparelho significou em seu momento, muito mais que apenas um celular, o objeto era símbolo social de status e sucesso. Essa questão é explicitada pela película, desde como essa concepção surge na entranha da empresa e todas as estratégias que são utilizadas para alavancar a imagem do aparelho. O problema está em algumas lacunas deixadas pelo roteiro de Matthew Miller e Matt Johnson, tanto na falta de explicação da origem do nome da marca, quanto em saltos temporais que bagunçam nossa compreensão histórica. Por exemplo, a montagem, assinada por Curt Lobb (“Operação Avalanche”, 2016), promove alguns vácuos comprometedores, saltando da fundação da empresa até uma marca de sucesso estrondoso em literalmente um corte. Todo esse processo seria importante para que o público possa entender essa estrutura de “ascensão e queda”.
Assim, “BlackBerry” pode ser dividido em três etapas na estrutura de seu desenvolvimento: 1) As ideias, 2) A formação, 3) O início da queda. As transições entre esses blocos são pouco satisfatórias, mas é interessante notar que existe toda uma construção dramática, quase trágica, da virada de chave para essa “queda” da empresa, um fenômeno chamado “Apple”. Nesse sentido, é curioso como Matt Johnson introduz a figura de Jobs como uma espécie de início do fim, quase que incorporando conscientemente a lógica de mercado, revelando a incapacidade da companhia de bater de frente com essa gigante que surge, financiada por algumas pessoas que eles ignoraram ou enfrentaram no passado. Então, parte do trabalho do roteiro e da montagem está voltada para exposição dos fracassos individuais que culminaram no encerramento das atividades da empresa. Essa proposição de fragmentar a obra em blocos, também se traduz na direção de Matt quando ele propõe uma linguagem mais solta e menos burocrática em um primeiro momento, esfria para um segundo e tensiona essa noção “papelórica” para uma espécie de “tragédia institucional”. A estratégia é inusitada em si e mantém uma espécie de ironia constante, justamente por dramatizar algo que é tão objetivo e cínico como o mundo empresarial.
Por essas razões, “BlackBerry” é interessante em seu conjunto, pois compreende como realizar essa trajetória sem precisar se render ao enfadonho universo burocrático, utilizando inclusive suas características para criar situações cômicas ao longo da projeção. Está longe de ser um projeto de grande destaque nos lançamentos do ano, mas encontra um belo espaço como adição de catálogo e é melhor, mais consistente e dinâmico que boa parte dos filmes idealizados para as plataformas de streaming. Talvez tenha decepcionado uma parte do público por mostrar um Matt Johnson um pouco mais contido, mesmo que isso seja justificável pela própria plataforma que o diretor está trabalhando, com suas limitações e pontos mercadológicos bem definidos.
Caminhando quase que na contramão de “Air” (2023), “BlackBerry” se mostra um longa consciente de seus limites e parece se divertir com cada etapa apresentada, quase que como uma grande ironia, dando risada da tragédia e antecipando a sensação de fim que o espectador provavelmente já conhece.