Black Rio! Black Power!
Ainda está por vir
Por Vitor Velloso
Festival do Rio 2023
Emílio Domingos é um dos cineastas mais interessantes da produção cinematográfica brasileira atual, especialmente por sua capacidade de criar obras políticas, com uma multiplicidade de camadas, sem que seja necessário transformar suas manifestações e registros, em um discurso quase exibicionista para levantar uma bandeira ou defender determinado debate, pois ele não precisa. “Black Rio! Black Power!” é uma bela homenagem aos bailes soul, do movimento Black Rio e os encontros que aconteciam na quadra Grêmio Social Esportivo Rocha Miranda, fundamental para conscientizar e debater uma geração inteira, e as que viriam, sobre justiça racial e identidade na Zona Norte carioca.
A estrutura do documentário segue o processo histórico de origem e declínio dos bailes, coletando uma série de depoimentos de pessoas que ajudaram a configurar o movimento, desde Dom Filó, Carlos Alberto Medeiros, Virgilane Dutra, Rômulo Costa e outros. Assim, com imagens de arquivo e a montagem do paredão de caixas de som, o espectador é convidado a compreender o contexto político e social que deu origem ao movimento. Contudo, há uma certa dificuldade em conseguir transmitir ao público essa erupção, pois a montagem não consegue dinamizar algumas transições contextuais ou ser mais independente dos depoimentos para funcionar enquanto apresentação. Por essa razão, “Black Rio! Black Power!” tem alguma dificuldade de manter seu ritmo e cadência, mesmo que possamos dimensionar algo através de algumas filmagens e falas, nunca há uma tradução desse enorme sentimento envolvido nos depoimentos e na importância histórica dos bailes.
De toda forma, há um enorme mérito no trabalho de Emílio Domingos, que torna a tratar de temáticas populares com uma enorme ambição, não apenas por retratar o apagamento histórico dos negros, como por ser capaz de representar a repressão histórica, o legado para as gerações futuras e a característica de seu cinema, jogar luz à uma manifestação que não encontra espaço em outras cinematografias e mídias. Contudo, o efeito aqui parece ser amenizado por uma falta de movimentação na própria estrutura, que soa mais burocrática ou menos intensa que em outras obras do diretor, com as quedas de ritmo, já citadas, e uma certa monotonia na condução. Por exemplo, uma parte dos entrevistados se referem à uma série de movimentações que eram feitas por eles, desde os bailes na Zona Norte até referências à baixada fluminense, discos produzidos, referências musicais etc, mas o espectador nunca tem pleno acesso a este conteúdo ou material, onde apenas esses registros dos bailes não conseguem dar conta de toda a história que está sendo contada, tornando a oralidade um fator limitante para a articulação.
“Black Rio! Black Power!” possui momentos frágeis por ter dificuldade de atravessar os sentimentos para além do registro e de não conseguir traduzir parte das entrevistas para uma sensação material palpável. Um exemplo disso, é quando Dom Filó se refere ao que considera a obra-prima do movimento, “Soul Grand Prix 78”, em um momento particularmente marcante e didático do filme, mas as imagens de contextualização presentes ao longo do filme, especialmente nos minutos iniciais, não retornam para dimensionar o que está presente na explicação de Filó, ou na própria capa do disco. Essa tônica se repete com alguma frequência ao longo do documentário, pois a montagem não se desprende desses depoimentos e registros como única fonte de construção, seja por admiração ou confiança em sua eficiência única.
Emílio Domingos segue como um destaque da produção nacional, com temáticas de forte impacto e importância histórica ímpar, mas seu novo filme não consegue se encontrar no ritmo com o momento histórico que representa e encontra dificuldade para dançar com seus personagens. Desta forma, sua força está fortemente ancorada na sua grande capacidade de demonstrar que o movimento Black Rio não apenas foi fundamental para a geração ali presente, como para a atual, com desdobramentos políticos e um reforço do debate público que foi ampliado e está cada vez mais presente.