Batguano Returns – Roben na Estrada
Luto e as big techs
Por Vitor Velloso
Assistido presencialmente na Mostra de Tiradentes 2025
Entre a amizade, a melancolia e as risadas do público durante a exibição no Cine-Tenda, “Batguano Returns – Roben na Estrada”, de Tavinho Teixeira e Frederico Benevides, cativou os espectadores com um dos projetos mais honestos dos últimos anos na Mostra de Tiradentes. Retornando ao universo de “Batguano” uma década depois, Tavinho e Frederico realizam um filme contra as manifestações e personalidades fascistas que se proliferaram e/ou ganharam notoriedade nos últimos anos no Brasil.
Por essência, é um cinema que evoca a vitalidade da produção nacional, contra as normatividades dos filmes tacanhos, contra o fascismo e os costumes conservadores, atravessando seus tópicos com uma simplicidade de tirar o chapéu. O longa não procura ser o centro do debate das temáticas abordadas, mas chama atenção para pontos e questões que se apresentam ao longo da obra, especialmente dentro do cenário do debate público. Não por acaso, seu caráter intimista expõe as fragilidades não apenas de seu personagem, Roben, mas do próprio Tavinho. Ou seja, é uma obra que reflete sua própria existência, rememorando a produção de 2014 e questionando os rumos de seus personagens.
Assim, “Batguano Returns – Roben na Estrada” não é exatamente um filme de comédia, longe disso. Durante a jornada, Roben dirige, sente falta, é atormentado e tenta fugir de seu passado à medida que busca encontrar seu propósito em um universo reconfigurado, em um Brasil fragilizado e sem seu companheiro. A obra tem um caráter biográfico, abordando o luto e a revolta com a forma como o governo anterior lidou com a pandemia da Covid-19. Aliás, Tavinho menciona no palco a morte de seus pais e se pergunta quantas vidas teriam sido poupadas se o governo tivesse enfrentado o problema, em vez de ignorá-lo e dizer que “não passava de uma gripezinha”. Por essa razão, a obra é tão triste e centrada nos acontecimentos dos últimos anos na vida pública nacional. Essa contraposição com o filme original pode causar estranhamento a uma parcela do público, mas representa de forma sólida as mudanças que ocorreram no país. Se antes a proposta era celebrar o cinema e criar uma moldura paródica com super-heróis, agora é tentar encontrar uma forma de lidar com os traumas e dores causados entre um filme e outro, entre um governo e outro.
A coragem do projeto ao retirar Batma do centro da interação e da dinâmica que caracterizou o primeiro filme e trabalhar com a ideia de que ele se desmaterializou ao se vender para as Big Techs pode parecer absurda, mas funciona como uma alegoria que se encaixa perfeitamente no atual contexto global. Essa suspensão física, marcada pela entrega total às corporações de tecnologia, compreende o cenário contemporâneo e reflete como a sociabilidade e as relações afetivas se transformaram ao longo dos anos. Assim, “Batguano Returns – Roben na Estrada” torna-se um road movie melancólico que aborda tantas temáticas diferentes que dificulta o desenvolvimento de um eixo específico, abrangendo uma gama complexa de discussões sem se aprofundar em nenhuma delas. Essa característica pode incomodar alguns espectadores, mas soa compreensível dentro de um projeto, personagem e cineasta atormentados por sentimentos tão contrastantes, fixando-se como uma jornada de reflexão.
Mesmo gravado após a pandemia, o filme assume as características estabelecidas pelo “cinema pandêmico”, com cenas registradas diretamente pelo celular, a tecnologia como intermediária das interações e uma estética de registro direto. É preciso muita coragem para se expor da forma como Tavinho faz aqui, por todas as vertentes possíveis. Não por acaso, “Batguano Returns – Roben na Estrada” parece desajustado em determinadas sequências, com fragilidades expostas e uma série de desritmias que podem comprometer a experiência. No entanto, é justamente essa entrega honesta que fez o filme ganhar tantos elogios na Mostra de Cinema de Tiradentes. Diferentemente de algumas obras presentes na Mostra, não há cinismo, conservadorismo ou uma base consensual que busque se aproximar da estética palatável dos festivais de cinema. É quase um cinema do contra, de autorreflexão e luto. E é onde o brilho acontece: entre as lágrimas, o poder e o capital, rumo a um destino que não se manifesta, apenas existe como síntese de uma busca interna e introspectiva.
A miserabilidade do Brasil e do personagem se confundem, projetando as piores reflexões da política contemporânea nacional.