Balanço Geral e Vencedores do Festival de Cannes 2024

Festival de Cannes 2024

Balanço Geral e Vencedores do Festival de Cannes 2024

Saiba tudo o que aconteceu e quem ganhou na edição 77 do evento cinematográfico francês mais importante do mundo

Por Fabricio Duque

Ah, le bon chaos! On trouve toujours du bon chaos à Cannes! (Nós sempre encontramos o bom caos em Cannes). A expressão francesa “o bom caos” (do que se “aproveita da desordem”) serve como “uma luva” para eu iniciar este balanço geral sobre tudo o que aconteceu no Festival de Cannes 2024. Sim, tudo é um exagero, visto que o evento cinematográfico francês, mais famoso do mundo, não possui apenas um, mais muitos festivais “tentáculos” acontecendo ao mesmo tempo dentro dele. Cada um com a sua “pegada”, com seu público, com seu propósito. Por exemplo, há a mostra competitiva oficial a Palma de Ouro, que, indiscutivelmente, é o principal foco (tanto do publico, quanto da imprensa internacional) e há o Market de Cannes (aos produtores e àqueles que fazem pitching pensando em estar no próximo ano na seleção oficial). Há a Semana da Crítica e há a Quinzena dos Cineastas. Há exibições na praia e há o L’Acid.

Como disse, após muitos anos, precisei aceitar a ideia de que é fisicamente impossível cobrir todas as mostras e especiais do Festival de Cannes. Minha cobertura deste ano focou mais uma vez na Compétition Sellection Officelle. A abertura oficial aconteceu no dia 14 de maio, uma terça-feira, com a exibição do filme “Le Deuxiême Acte”, de Quentin Dupieux (o também músico francês Mr. Oizo), que neste veio mais com uma tradicional narrativa num que de Nouvelle Vague e bem menos com sua estranheza característica que emprega em suas criações, como “Rubber” e “A Jaqueta de Couro de Cervo”. 

Antes de entrar na lista dos filmes da Competição, é preciso dizer que o Festival de Cannes é uma intensa experiência fisiológica. Que desperta as mais passionais sensações. De tudo. Da euforia à raiva completa. É amor e ódio. Ansiedade, cinefilia e muita perda da paciência. Todo ano, sem exceção, desde minha primeira cobertura em 2013, tento, em vão, entender o que significa o Festival de Cannes e cada vez fico mais confuso e perdido. Nunca soube o porquê deste evento me afetar tanto. Pode-se achar que a parte mais difícil do Festival de Cannes é ser credenciado como imprensa. Não, não é. Toda “aventura” acontece no meio da cobertura. 

Leia também:

Tudo Sobre o Festival de Cannes 2024

Festival de Cannes anuncia seus filmes oficiais

Karim Aïnouz na competição do Festival de Cannes 2024

Sobre os filmes, também é um exercício logístico de tempo e de encaixe. Do dia 15 a 24 de maio, em dez dias, o Festival de Cannes 2024 apresentou seus concorrentes a Palma de Ouro, 22 longas-metragens (que não assisti em ordem de exibição no Grand Théâtre Lumière, mas sim nas cabines de imprensa e/ou em sessões extras por causa das sessões de outros filmes, os brasileiros, por exemplo): “Diamant Brut”, da diretora francesa estreante Ágata Riedinger; “The Girl with the Needle”, do sueco-polonês Magnus von Horn; “Bird”, da britânica Andréa Arnold; Megalopolis, do veterano norteamericano Francis Ford Coppola; “Trei Kilometri Pana La Capatul Lumii”, do romeno Emanuel Pârvu; Kind of Kindness, do grego Yorgos Lanthimos; “Oh, Canada”, do norteamericano Paulo Schrader;  “Caught by the Tides”, do chinês Jia Zhangke; Emilia Pérez (talvez o filme mais controverso de todos os tempos), do francês Jacques Audiard; “Limonov: The Ballad”, do russo Kirill Serebrennikov; The Substance, da francesa Coralie Fargeat (com Demi Moore no elenco hollywoodiano); The Apprentice, do iraniano-dinamarquês Ali Abbasi (num polêmico plot sobre a vida de Donald Trump); “The Shrouds”, do canadense David Cronenberg; Anora, do norte americano Sean Baker (o grande vencedor da noite); “Marcello Mio”, do francês Christophe Honoré (em homenagem a um dos ícones italianos, Marcello Mastroianni; Parthenope, do italiano Paolo Sorrentino; Grand Tour, do português Miguel Gomes; o filme brasileiro Motel Destino, do cearense-argelino Karim Aïnouz; “L’Amour Ouf”, do francês Gilles Lellouche; All We Imagine as Light, da indiana Payal Kapadia; The Seed of the Sacred Fig, do iraniano Mohammad Rasoulof; “La plus précieuse des marchandises”, do francês “O Artista” Michel Hazanavicius. 

O Júri oficial do Festival de Cannes 2024 provavelmente teve trabalho. Sim, é uma responsabilidade muito grande escolher a Palma de Ouro e as Palmas de Prata. A atriz e cineasta americana , Greta Gerwig, a “Barbie” foi a Presidente, junto com o cineasta espanhol JA Bayona; a atriz e roteirista turca Ebru Ceylan; o ator e produtor italiano Pierfrancesco Favino; a atriz americana Lily Gladstone; a atriz francesa Eva Green; o cineasta e produtor japonês Hirokazu Kore-eda; a atriz e cineasta libanesa Nadine Labaki; e o ator francês Omar Sy. Na cerimônia de encerramento, todos eles pareciam deslocados com a presença de  Greta, não sei se foi só uma impressão minha ou o “veredito” foi turbulento mesmo. Talvez pela escolha de Melhor Filme para “Anora” (não que seja ruim, pelo contrário), mas todos estava esperando “The Seed of the Sacred Fig” (prêmios em todos os lugares, incluindo da Fipresci”). 

Em outro ponto do Festival de Cannes está o Un Certain Regard (um certo olhar), com mais 18 longas-metragens que quase integra a competição oficial (por haver um consenso nas exibições não “baterem” nas principais), no sala que acontece ao lado do Palais. O Júri oficial foi presidido pelo cineasta e ator canadense (e que está “aposentado”) Xavier Dolan; a cineasta franco-senegalesa Maïmouna Doucouré; a cineasta e produtora marroquina Asmae El Moudir; atriz luxemburguesa-alemã Vicky Krieps; e cineasta, escritor e crítico de cinema norteamericano Todd McCarthy. O troféu foi para o filme “Black Dog”, do diretor chinês Guan Hu, que “lutou” inclusive com “L’Histoire de Souleymane”, do francês Boris Lojkine (o meu filme favorito desta mostra); e com “Vingt Dieux!”, da francesa Louise Courvoisier; e com “When the Light Breaks” (o filme de abertura), do islandês Rúnar Rúnarsson. 

E assim o Festival de Cannes nos faz “encontrar o bom caos”. São mais 10 longas-metragens na mostra Fora de Competição, entre “The Count of Monte Cristo”, de Le Comte de Monte-Cristo; “Furiosa: A Mad Max Saga”, de George Miller; e “Horizon: An American Saga – Chapter 1”, de Kevin Costner. Sim, até agora já foram 50 filmes. E está bem longe de acabar. Há ainda Cannes Première com 8 filmes, entre eles, Rithy Panh e Alain Guiraudie. Há ainda as Sessões Especiais com 12 longas-metragens e seus imperdíveis: “Spectateurs!”, de Arnaud Desplechin; The Invasion, de Sergei Loznitsa; e o brasileiro “Lula” pelo diretor norteamericano Oliver Stone. Mais os 11 curtas-metragens da Mostra Oficial (com um filme brasileiro, “Amarela”, de André Hayato Saito), cujo troféu foi dado ao croata “Čovjek koji nije mogao šutjeti”, de Nebojša Slijepčević. 

É. E ainda há muito mais. Daí pra frente, dar conta de tudo só para um jornalista extraterrestre. São mais 18 filmes do Cinéfondation. Mais 19 filmes do Cannes Classics, neste que apresenta a versão restaurada de “Bye Bye Brazil (1979), de Carlos Diegues. Mais 11 filmes da mostra Documentários Sobre Cinema, em destaque para “François Truffaut, le Scénario de Ma Vie”, de David Teboul. Mais 14 longas-metragens no Cinema da Praia. Mais filmes da novidade em Cannes, o The Immersive Competition. E nós ainda nem chegamos as outras mostra paralelas também bem relevantes: Semana da Crítica (Semaine de la critique) e Directors’ Fortnight (Quinzaine des cinéastes). 

A Semaine de la critique apresentou 7 longas-metragens; 10 curtas-metragens; 4 sessões especiais. Destaque para o longa brasileiro Baby, de Marcelo Caetano; e o curta brasileiro “A Menina e o Pote”, de Valentina Homem. O júri composto por Sylvie Pialat, Ben Croll, Iris Kaltenbäck, Virginie Surdej e Eliane Umuhire premiou “Simón de la montaña”, do argentino Federico Luis. Já a Quinzena dos Cineastas (Directors’ Fortnight – Quinzaine des cinéastes) selecionou oficialmente 21 longas-metragens, 7 curtas-metragens e 1 sessão especial em homenagem à cineasta belga Chantal Akerman. Destaque para o documentário brasileiro-indígena “A Queda do Céu”, de Eryk Rocha and Gabriela Carneiro da Cunha. O filme vencedor foi “Une Langue universelle”, do canadense Matthew Rankin, escolhido pelo público. Ainda não acabou. Temos ainda o ACID (Association for the Distribution of Independent Cinema), que apresentou 9 filmes. E há muitos outros tentáculos, menores, mais com ótimos filmes. 

Sim, muito Ouf isso. A expressão francesa significa Ufa! e é assim mesmo que sentimos dentro do mundo da “Disneylândia” Festival de Cannes. Sim, 158 longas-metragens dos “relevantes”, sem contar os 11 curtas e sem contar todas as “pernas” que pululam ao redor. Assusta? Sim, muito. É aí que entra minhas crises existenciais sobre ser um crítico de cinema durante este festival. Como pensar rápido e escrever? Ou é melhor assistir o maior número de filmes e depois pensar nisso? Ou ter que “matar obras” importantes para manter a cobertura? E como são as críticas? Superficiais? Não é melhor esperar? Pois é, o Festival de Cannes talvez seja só caos mesmo. 

O cartaz oficial do festival, desenhado por Hartland Villa, imprime uma imagem estática do filme Rapsódia em Agosto, de Akira Kurosawa, com Richard Gere no elenco, filme selecionado para a edição de 1991 do Festival de Cannes. A atriz francesa Camille Cottin apresentou as cerimônias de abertura e encerramento. Na de abertura, o festival concedeu a Palmas de Ouro Honorária para Meryl Streep (pelo conjunto de sua obra). A segunda Palma homenagem foi para o Studio Ghibli. E na cerimônia de encerramento, George Lucas (que antes deu uma masterclass ao público) recebeu a Palma de Ouro honorária das mãos de seu amigo o realizador Francis Ford Coppola, que esteve no festival com “Megalopolis” na competição oficial. 

Você sabia que o Festival de Cannes acontece desde 1946 como uma “salvação” ao cinema não panfletário da guerra e do fascismo que usava o Festival de Veneza para propagar suas ideias. De lá para cá, 77 edições depois completadas neste ano, o Festival de Cannes parece ainda viver em guerra. Usa inclusive todos os artifícios: cada sessão é necessário passar por detectores de metal, ser revistado com o mesmo maquinário usado nos aeroportos. O medo do terrorismo potencializa essa radicalidade, mas a iminência de um atraso da sessão faz com que exceções aconteçam. Quando isso acontece, entramos sem revista. Mas num próximo momento “pagamos” com uma revista mais profunda. Sim, esses funcionários recebem pela primeira vez um poder: o de decidir os “escolhidos”. Esse é sim uma coloquial antropologia social que ganhamos. Outra questão é que cada jornalista, diferente dos outros festivais, precisa competir com os outros por causa da cor da credencial. Pois é, todo ano chega para meus botões e digo a eles que Cannes é tóxica demais para mim. Mas garanto que no próximo ano estarei aqui de novo, revivendo todos os perrengues, todas limitações e espero muito que seja pelo menos sem bactérias. Confira a seguir todos os vencedores do Festival de Cannes 2024!

LISTA COMPLETA DOS VENCEDORES DO FESTIVAL DE CANNES 2024

Anora

COMPETIÇÃO

PALMA DE OURO
Anora, de Sean Baker

GRAND PRIX
All We Imagine as Light, de Payal Kapadia

PRÊMIO DO JÚRI
Emilia Pérez, de Jacques Audiard

MELHOR DIRETOR
Miguel Gomes, por Grand Tour

PRÊMIO ESPECIAL DO JÚRI
The Seed of the Sacred Fig, de Mohammad Rasoulof

MELHOR ATRIZ (Prêmio em Conjunto)
Adriana Paz, Karla Sofía Gascón, Selena Gomez e Zoe Saldaña, por Emilia Pérez

MELHOR ATOR
Jesse Plemons, por Kinds of Kindness

MELHOR ROTEIRO
The Substance, de Coralie Fargeat

PALMA DE OURO DE CURTA-METRAGEM
The Man Who Could Not Remain Silent, de Nebojša Slijepčević

MENÇÃO ESPECIAL DE CURTA-METRAGEM
Bad for a Moment, de Daniel Soares

Gouzhen

UN CERTAIN REGARD

MELHOR FILME
Black Dog, de Guan Hu

PRÊMIO DO JÚRI
Souleymane’s Story, de Boris Lojkine

MELHOR DIRETOR
The Damned, de Roberto Minervini
On Becoming a Guinea Fowl, de Rungano Nyoni

MELHOR PERFORMANCE
Anasuya Sengupta, por The Shameless
Abou Sangare, por Souleymane’s Story

PRÊMIO JOVEM
Holy Cow, de Louise Courvoisier

MENÇÃO ESPECIAL
Norah, de Tawfik Alzaidi

Armand

CAMÉRA D’OR

MELHOR FILME
Armand, de Halfdan Ullmann Tøndel

MENÇÃO ESPECIAL
Mongrel, de Chiang Wei Liang e You Qiao Yin

CINÉFOUNDATION

PRIMEIRO PRÊMIO
Sunflowers Were the First Ones to Know…, de Chidananda S Naik

SEGUNDO PRÊMIO
Out of the Window Through the Wall, de Asya Segalovich
The Chaos She Left Behind, de Nikos Kolioukos

TERCEIRO PRÊMIO
Bunnyhood, de Mansi Maheshwari

IMERSIVE COMPETITION

MELHOR FILME
Colored, de Tania de Montaigne, Stéphane Foenkinos e Pierre-Alain Giraud

Dâne-ye anjîr-e ma'âbed - The Seed of the Sacred Fig

FIPRESCI

COMPETIÇÃO
The Seed of the Sacred Fig, de Mohammad Rasoulof

UN CERTAIN REGARD
Souleymane’s Story, de Boris Lojkine

MELHOR PRIMEIRO FILME
Desert of Namibia, de Yôko Yamanaka

PRÊMIO DO JÚRI ECUMÊNICO

MELHOR FILME
The Seed of the Sacred Fig, de Mohammad Rasoulof

Baby

SEMANA DA CRÍTICA

GRANDE PRÊMIO
Simon of the Mountain, de Federico Luis

PRÊMIO TOQUE FRANCÊS DO JÚRI
Blue Sun Palace, de Constance Tsang

PRÊMIO LEITZ CINE DISCOVERY PARA CURTA-METRAGEM
Montsouris Park, de Guil Sela

PRÊMIO LOUIS ROEDERER FOUNDATION RISING STAR
Ricardo Teodoro, por Baby

PRÊMIO GAN FOUNDATION PARA DISTRIBUIÇÃO
Julie Keeps Quiet, de Leonardo Van Dijl

PRÊMIO CANAL+ PARA CURTA-METRAGEM
Absent, de Cem Demirer

PRÊMIO SACD
Julie Keeps Quiet, de Leonardo Van Dijl

QUINZENA DOS CINEASTAS

PRÊMIO DO PÚBLICO
Universal Language, de Matthew Rankin

MELHOR FILME EUROPEU
The Other Way Around, de Jonás Trueba

MELHOR FILME FRANCÊS
This Life of Mine, de Sophie Fillières

GOLDEN COACH
Andrea Arnold

L’ŒIL D’OR

MELHOR FILME
Ernest Cole: Lost and Found, de Raoul Peck
The Brink of Dreams, de Nada Riyadh e Ayman El Amir

PALMA QUEER

MELHOR FILME
Three Kilometres to the End of the World, de Emanuel Pârvu

MELHOR CURTA-METRAGEM
Southern Brides, de Elena López Riera

PRÊMIO FRANÇOIS CHALAIS

MELHOR FILME
The Seed of the Sacred Fig, de Mohammad Rasoulof

PRÊMIO DA CIDADANIA

MELHOR FILME
Bird, de Andrea Arnold

PRÊMIO DOS CINEMAS ART E ESSAI

PRÊMIO AFCAE ART HOUSE CINEMA
The Seed of the Sacred Fig, de Mohammad Rasoulof

MENÇÃO ESPECIAL
All We Imagine as Light, de Payal Kapadia

PALM DOG

MELHOR DOG
Kodi, por Dog on Trial

GRANDE PRÊMIO DO JÚRI
Xin, por Black Dog

MUTT MOMENT
Bird
Kinds of Kindness
Megalopolis

Apoie o Vertentes do Cinema

Deixe uma resposta