Curta Paranagua 2024

Avá – Até que os Ventos Aterrem

Um fim possível

Por Vitor Velloso

Durante a Mostra de Tiradentes 2022

Avá – Até que os Ventos Aterrem

É comum a associação da Mostra Olhos Livres à uma certa maturidade estética que é capaz de experimentar e demonstrar a criatividade de quem já se consolidou mais no cinema independente. “Avá – Até que os Ventos Aterrem” possui uma série de ideias interessantes, seja no trabalho de seus espaços, como o conceito de uma distopia de ambiente controlado, ou na teatralização das angústias contemporâneas em um tempo distorcido. O problema é que essas ideias são superficiais o suficiente para se esgotarem nos primeiros minutos e toda essa tentativa de imaginação de um lugar que transita entre momentos, termina em uma falência grave de uma estética cíclica.

O trabalho dirigido por Camila Mota é desenvolvido em íntima relação com teatro, entre personagens que mantém distância, sonhos, delírios, memórias e representações históricas, aproximando seus conceitos de um certo manifesto político diante da realidade contemporânea, em face ao passado e um possível futuro. Porém, essas questões vão ficando cada vez mais frágeis quando pequenas frases de efeito e imagens imediatas são utilizadas para sustentar tudo isso. “Avá – Até que os Ventos Aterrem” dialoga com um certo fatalismo comum à falta de diagnóstico da situação, uma fragilidade frequente de projetos que possuem uma grande quantidade de temáticas e pretende trabalhar todas a partir de uma superficialidade na representação. Não por acaso, a sensação é que quanto mais o espectador avança na projeção, mais o filme vai se perdendo em sequências que partem de dispositivos interessantes sem saber trabalhar com os mesmos. O caos impera e nada é proposto em sua completude.

Mesmo que a fotografia consiga criar uma tensão entre os espaços reclusos, como o constante movimento de ir ao “subsolo” e seguir a personagem, sua sustentação depende diretamente de um texto que perde sentido ao utilizar à exaustão termos que não dizem nada. Partículas, trópicos, condensações, vírus e até Astrazeneca entram em uma equação esvaziada e anacrônica. A ideia poderia funcionar no auge do vocabulário cósmico entre 70-80, mesmo que decadente em sua linguagem, mas quando essa proposta é dada dentro de um contexto complexo de estéticas a serem renovadas e uma realidade a ser discutida, torna-se apenas um delírio unilateral de uma classe que vê as representações serem abandonadas por um avanço do conservadorismo no Brasil.

Contudo, “Avá – Até que os Ventos Aterrem” ensaia uma discussão desse cenário catastrófico, mostrando como o capitalismo é responsável pela destruição global e o apocalipse ressuscita o conteúdo revolucionário de outrora. A abordagem expõe os gatilhos de maneira simplória, transformando esse discurso em uma cacofonia, como quase todas as sequências que contém a senhora uniformizada. Simultaneamente, o filme repete constantemente que alguns lugares se mantiveram estáveis diante de uma crise global, sem nunca oferecer ao espectador uma razão material para tal, ou seja, essas divagações não sobrevivem à própria ideia, ao conceito que é trabalho dentro dessa teatralidade. Se a imaginação é a ferramenta fundamental para que haja possibilidade de compreender o universo fora desse espaço controlado, erguer um suporte e balbuciar poesias, diálogos e imagens delirantes, só faz decair um projeto que é tão instável que uma hora de projeção parece uma eternidade.

Sem dúvida a ficção científica fatalista está em alta na produção contemporânea, mas a curadoria investiu tão drasticamente em uma multiplicidade de projetos formalmente distintos, que a Olhos Livres da 25ª Mostra de Tiradentes tornou-se um ponto deslocado das demais. O que era para explicitar a maturidade do cinema independente e as experimentações possíveis diante de uma imagem em constante mudança, tornou-se uma reprodução. “Avá – Até que os Ventos Aterrem” é um triste deslize de Camila, uma artista que provou sua qualidade em outras ocasiões, mas vacila em um lugar comum do discurso.

1 Nota do Crítico 5 1

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