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Atlantis

Os escombros de um futuro

Por Vitor Velloso

Reserva Imovision

Atlantis

Figurando como novo título no Reserva Imovision, “Atlantis” de Valentyn Vasyanovych é uma obra que deve dividir o público por conta da abordagem distante que assume perante seu protagonista. A objetiva não se aproxima do personagem em uma possível humanização, mas se distancia em uma exposição dessa perda de sentido diante da própria matéria.

Tão perdido quanto o protagonista, o espectador busca nas pequenas ações diante da tela, o sentido que move a narrativa. É um convite ao olhar totalizante, sem a cortesia do direcionamento. Essa escolha gera duas frentes distintas na obra. A primeira é o esvaziamento completo de Sergiy (Andriy Rymaruk) enquanto ser humano, onde suas ações são meros detalhes de uma objetificação histórica que se transforma na exploração dos cadáveres e das memórias de uma guerra que sucumbiu parte da cultura ucraniana. A segunda é a resolução conservadora que a proposta concretiza, pois o tom reacionário de parte dos discursos de certos personagens são sustentados pela necessidade de manter-se distante dessa práxis. 

Ao vermos os trabalhadores debatendo se a Crimeia possui mais possibilidades de trabalho, essa materialização do conflito atravessa a década e formula uma espécie de diagnóstico que deve ser compreendido entre as tensões dos países e a influência do capital estrangeiro. A sequência é explícita, um chefe do alto escalão fala em inglês em uma grande tela, para a massa de operários que escuta a tradução ecoando pela caixa de som. A imagem é opressora e “Atlantis” se articula em torno dessa força bruta do distanciamento e da descrição. Na ausência de diálogos, a monotonia sugere a exposição da violência constante, um fantasma que não cessa o assombro. Ninguém conversa, observamos por vários minutos a descrição minuciosa do estado de um cadáver, a sala possui três figuras estranhas ao espectador, uma escreve as observações dos dois médicos que analisam. A cena é longa e perde sentido com o passar do tempo, esquecemos que o protagonista esteve ali, ajudou a retirar o corpo do saco, retirou as luvas, jogou-as no lixo e foi embora. Mas nada disso é foco do enquadramento, a objetiva se posiciona frontalmente a essa exposição cadavérica, trabalhando em torno da memória recente desse conflito encontrado aos pedaços, restos, detalhes de uniformes etc. 

Assim, assistir “Atlantis” está longe de ser um grande entretenimento, pelo contrário, a abordagem leva à queda de ritmo e um certo desinteresse da “trajetória” de um protagonista que jamais se encontra, apenas se esconde nas memórias e traumas que o perseguem. Não existe aqui o acalanto que tire sua sina, sua própria redenção e libertação é em meio aos cadáveres, em um caminhão militar, diante de uma chuva pesada, cercado pelos destroços e minas do conflito que participou. Seu luto final é no mesmo tom que abre o filme, entre a imagem de calor que revela um corpo escorraçado e enterrado, vemos ele junto à outra figura que pode nos indicar uma possível vida. Mas esses fantasmas são resgatados por essa linguagem que não emoldura, mas se posiciona em conflito de maneira permanente. Tal como Ulirch Seidl, Vasyanovych não reflete sobre o que produz, apenas expõe uma ferida que caminha com o reacionário e a denúncia, em tons ambíguos que sempre terminam em uma desnutrição completa do sentido, onde o vazio que a câmera acompanha é o resgate de uma vítima de uma mina perdida ou a visita à um local caindo aos pedaços. Apenas nestas situações a câmera nos leva ao protagonista e suas ações, no restante, resta seus atos em meio ao vacilo da humanidade e a dignidade encontra o orgulho. 

“Atlantis” pode não ser uma experiência fácil de digerir, mas sem dúvida é algo que permanece na mente por algumas horas após a exibição. Cada quadro possui um peso distinto, mas enfrentamento similar. As cenas encontram uma correspondência prática em suas notas negativas e o esvaziamento é a tônica que finda a própria obra. Nem a própria imagem se sustenta. Esperar algo diferente do protagonista é uma esperança que o filme jamais oferece.

3 Nota do Crítico 5 1

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