Curta Paranagua 2024

Atena

A sustentação de um gênero

Por Vitor Velloso

Festival de Cinema de Paraty 2024

Atena

“Atena” é um dessas obras que procura desenvolver suas características estabelecidas de um filme de gênero, encontrando caminhos para trabalhar algumas referências regionais, ao mesmo tempo que abraça clichês e questões estéticas de Hollywood. Dirigido por Caco Souza, o longa propõe uma narrativa centralizada em Atena, interpretada por Mel Lisboa, uma espécie de justiceira que mata homens estupradores, abusadores, agressores e pedófilos, marcando-os no peito com ferro quente para expôr os crimes cometidos por essas pessoas e fazer “justiça” com as próprias mãos. 

A narrativa não é particularmente original, mas poderia render uma série de debates interessantes para a sociedade, desde a atitude da protagonista em praticar esses atos de justiceira, até a presença de redes de criminosos, normalmente de alto poder aquisitivo e forte influência política. Contudo, “Atena” não ensaia debater nenhum tópico das inúmeras temáticas que surgem em sua trama, pois o roteiro de Enrico Peccin possui tantas fragilidades que transforma os dramas de seus personagens em meros artifícios para cenas de investigação e ação, assim como diálogos expositivos que procuram simplificar a narrativa de forma protocolar, funcionando como dispositivo de descontração ou tentativa de caracterizar um personagem a partir de suas reações a determinadas situações. Por exemplo, em uma breve passagem, o espectador é apresentado ao que poderia ser uma motivação para compreendermos as motivações de Atena, para além do senso comum, mas o que deveria ser o centro dramático da protagonista, é escanteado como uma simples conversa entre dois personagens. Ou mesmo, Carlos, interpretado por Thiago Fragoso, que torna-se cada vez mais unidimensional à medida que avançamos na projeção, tornando-se apenas um facilitador narrativo para que haja uma mínima progressão nas investigações e situações presentes no filme. Não por acaso, essa é uma marca presente na obra de forma integral: a falta de conexão entre as situações apresentadas, informações parciais, uma falta de progressão narrativa que faça o espectador entender minimamente como os personagens chegaram em determinado local, em conclusões etc. 

“Atena” é um filme que parece estar mais preocupado em demonstrar a falta de interesse do Estado com os casos e a negligência da imprensa em investigar os crimes, seja por uma conivência e forte moralidade presente nos policiais (que por concordarem com o assassinato de um estuprador, não possuem interesse em realizar uma investigaçã), respectivamente. Porém não é só essa superficialidade generalizada que transforma a experiência do longa-metragem em algo inconstante e incompleto, a falta de qualquer desenvolvimento dramático, compromete drasticamente um investimento do espectador com essa história, pois a construção passa por recortes estilizados que não acrescentam em nada à narrativa, flashbacks que retomam cenas que acabaram de acontecer, a problematização institucional constante, sem um investimento na discussão, uma quantidade notável de clichês, facilitadores de roteiro que não possuem lógica narrativa, diálogos absurdos, mudanças abruptas de comportamento de determinados personagens e uma lógica interna de funcionamento dramático, como o próprio final, que transforma metade dos personagens presentes na obra em objetos de descarte. 

A sensação que o público tem ao terminar “Atena” é que não estamos diante do corte final, mas sim de retalhos isolados que ainda podem formar um filme completo, sem a necessidade de utilizar gatilhos meramente morais para tentar sustentar uma projeção que dispensa dramaticidade por na crença que o repúdio do espectador é o suficiente. Além disso, os inúmeros clichês, recursos estilísticos e narrativos à la Hollywood como a constante mudança de local e inversão de letras na fonte de apresentação, soam mais uma falta de identidade própria que algo que acrescente ao filme. Por fim, o longa parece se contentar como um produto descaracterizado, apostando em sua suposta identidade regional em momentos isolados, como que para legitimar minimamente essa grande colcha de retalhos que não possui costura, nem mesmo uma linguagem que possa criar algum destaque distinto para uma experiência que se molda como denúncia e se encerra como mera representação de gênero. 

1 Nota do Crítico 5 1

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