Asteroid City
Por dentro da excentricidade estética da imagem
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Cannes 2023
As obras cinematográficas do realizador americano Wes Anderson vendem uma ideia. Uma estética hipster. Uma embalagem fetichista. Seus filmes são construídos essencialmente no visual, conjugado com o comportamento teatralizado de suas personagens, que existem em ambientes com filtros, e tons, de uma realista e conflituosa paleta de cores, e, que se tornam marionetes em um espetáculo com propósito autoral, querendo o mais orgânico, padronizado e amador das amostras de tipos estereotipados de nossa sociedade mundana. E no meio de tudo isso, Wes Anderson insere histórias intimistas, tendo como narrativa um estímulo à observação subjetiva, que acontece por gatilhos de humor idiossincrático, cínico e de exposição constrangedora das ações experimentadas. Nós expectadores adentramos em um mundo estranho, exótico e contraditório, este especialmente por seus silêncios hiperbólicos, quase como um grito mudo. Em seu mais recente filme “Asteroid City”, exibido na mostra competitiva a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2023, busca-se mais o encontro com o amador, com a forma caseira de produção e com os bastidores que antecedem o próprio resultado. Aqui, o mais importante é o processo e não seu final. Mas por outro lado o público percebe que o filme se preocupa muito mais nos acabamentos visuais que na trama e assim que toda essa ideia só se mantém na superfície, não aprofundando questões mais complexas do tema de cunho essencialmente existencialista. O espectador sente uma frustração, porque enxerga uma manipulação de artifícios cognitivos, quase de algoritmo mental, ainda que cada plano seja milimétrico, matemático e sistematicamente arquitetado ao visual excêntrico. Cada ângulo, cada frame, cada mudança de câmera, cada movimento, cada parada da personagem, cada coisa está no seu devido lugar meticuloso. Não há erros técnicos, apenas o rigor das simetrias. O longa-metragem traz tudo o que propõe: toda a construção da imagem estética e fetichista de seu diretor. Mas será o suficiente?
“Asteroid City” deseja uma viagem ainda mais hipster. Os cenários desta vez buscam um que mais um cenário infantil e colorido da Barbie, com alusão aos ambientes de Michel Gondry. Com mais interferências à narrativa: metalinguagem, apresentação em preto-e-branco e os créditos logo no início, por exemplo, lembrando assim um modernista-futurista faroeste, que importa e redesenha o passado. A história é contada pelo ritmo da câmera que sempre acompanha, pelo tom teatral de reação efeito de suas personagens e pelo toque surreal dos supostos delírios – episcopal e pragmático, quando sinaliza testes de bombas. Sim, “Asteroid City” é um filme de cenas, envolto em um humor mais fácil e mais pastelão, à moda de Charlie Chaplin, de conversas contemplativas entre monólogos sociais (de falas aceleradas, quase irracionais). Nós temos a impressão de que todos esses possíveis seres humanos em cena são na verdade máquinas, entre disco voador e visitas inesperadas. Tudo aqui exposto e inacreditável e com um elenco repleto de artistas conhecidos, que fazem questão de trabalhar com ele mesmo sem receber nenhum cachê. Será que Wes Anderson é uma fraude ou gênio da manipulação visual?
Neste filme, Wes cria sua fantasia para contar sobre o evento de uma convenção de Observadores Cósmicos Jr./Cadetes Espaciais (organizada com o objetivo de juntar estudantes e pais de todo o país para uma competição escolar com oferta de bolsas escolares), em uma cidade ficcional em pleno deserto americano, por volta de 1955, que provavelmente é a terra natal de seu diretor, Houston, Texas. Aqui, como já foi dito antes, mas reiterando, Wes usa seus elementos característicos de trabalho: cores vibrantes e saturadas, por combinações incomuns e contrastantes; sua composição simétrica e centralizada, em que muitas vezes coloca suas personagens e objetos no centro do quadro, criando uma sensação de equilíbrio visual e ordenação; cenários detalhados; enquadramentos longos e planos sequência; cenas coreografadas; usa a câmera (travelling e pan shots) para criar uma sensação de fluidez e movimento elegante; símbolos visuais e metáforas, muitas vezes usando objetos para representar emoções; personagens excêntricos, combinados com um senso de humor seco e às vezes absurdo.
Pois é, sim, o mais interessante em toda obra de Wes Anderson é o questionamento que cria. Será que apenas o visual sustenta a obra? Ou será que nós expectadores nos obrigamos a se acostumar no que vemos em seus filmes? Não podemos negar que “Asteroid City” é uma experiência visual para ser assistida em uma boa tela de cinema. Mas a massificação padronizada dessa estranheza estética não torna este longa-metragem comum? Como inovar se a própria inovação não é mais novidade? Por isso, e talvez esta não seja uma crítica e sim uma análise de dúvidas, que o novo filme do queridinho e cult cineasta norte-americano não bateu para mim, parecendo que assisti a um exemplar mais do mesmo, como se fosse um asteróide passageiro, ainda que a mensagem real esteja em seu final revelador, de crítica, de esperança passiva e de verdade desoladora, ainda assim, até chegar à cereja do bolo, muita estrada e muita poeira é comida. Como disse, tudo é uma experiência sensorial de ode à imagem e à perfeição dos planos que a compõem.