Mostra Um Curta Por Dia 2025

As Polacas

Moralismo melodramático, a gente vê por aqui!

Por Fabricio Duque

Assistido durante o Festival do Rio 2024

As Polacas

Há muitos anos foi lançado um comercial de televisão com o slogan “Tostines vende mais porque é fresquinho ou é fresquinho porque vende mais”. Esta talvez seja a melhor metáfora para explicar o que acontece com o cinema atualmente. Podemos também incluir outro exemplo. Em uma de suas entrevistas, Steve Jobs disse sobre o Iphone que os clientes não sabiam o que queriam até que esse algo novo fosse mostrado a eles. Sim, e se complementarmos com a psicologia comportamental do ser humano que já provou que o indivíduo é produto manipulado do meio, então realmente conseguimos entender e traduzir bem melhor o novo filme de João Jardim, “As Polacas”, exibindo na mostra competitiva do Festival do Rio 2023. 

Talvez “As Polacas” tenha em sua essência um problema estrutural de identidade. De tentar descobrir o que seu público quer. De escolher existir entre narrativas: a facilidade confortável da forma novelesca e a ideia projetada de ser um filme de cinema. É como se assistíssemos uma série mais bem fotografada da Rede Globo. Isso não seria ruim se essa identidade se assumisse como tal: uma obra com objetivo mais popular. Isso tudo, de não saber para onde ir, busca em quem assiste uma conivência e uma condescendência, por ser um filme brasileiro (e como patriotas não podemos ir contra nossa cinematografia) e pela aceitação mais palatável. Com essas primeiras análises já percebemos muitas padronizações narrativas. O roteiro precisa ser mastigado e muito didático, as interpretações precisam ser mais anti-naturalistas. Tudo porque se quer uma zona de conforto. 

Sim, não há nada contra obras mais melodramáticas, mais folhetins, mais literalmente (e literariamente) adaptadas. Sim, quando se há verdade em um filme, o público automaticamente embarca no desejo primário criativo do cineasta que compõe a obra. Mas quando esses objetivos estão perdidos e bagunçados até mesmo na cabeça de seu criador, então não há mesmo como chegarmos a um resultado final digno. Por exemplo, vamos trazer “Olga”, de Jayme Monjardim, que, apesar do sucesso icônico de bilheteria, também possui os mesmos problemas estruturais de identidade, e que inclusive a cena da Olga  gritando que está grávida de Luis Carlos Prestes até virou meme. Mas por quê esse filme antigo não gerou tantos incômodos: por causa de sua época e por essa audiência não ter tantas opções de narrativas. Assim, se olharmos para o agora, usar o mesmo processo torna esse totalmente datado e tornando as cenas dramáticas em recepções mais cômicas. 

“As Polacas” é um filme de época. Sobre judeus na “melhor América”.  Sobre a guerra da Polônia e a “promessa” do Brasil. Como disse, o longa-metragem de João Jardim (de “Atravessa a Vida”, “Amor?”) apresenta-se com estrutura de novela, em cortes rápidos, câmeras muito próximas e ambiência mais histérica por gritos de suas personagens. Essa mise-en-scène é teatral. Há um esforço demasiado de seus atores e atrizes (com exceção, logicamente, de Caco Ciocler, que rouba a cena e consegue levar nas costas, sem trabalho, qualquer papel) para conseguir manter os diálogos e as ações do roteiro, forçando muito mais a ideia da interpretação (entre choros sem lágrimas). O resultado é a artificialidade. Talvez toda essa condução não ajude. As cenas, usando liberdades poéticas distantes da realidade coloquial não intuitiva, estão soltas, desconexas, de complexidades-aprofundamentos blasés das reviravoltas e não passam verdades. E/ou quando uma personagem começa a cantar do nada. Soa constrangedor. Sim, isso reflete exatamente esse problema de identidade. Do filme não saber o que é e para quem entregar. Há um puritanismo excessivo (de moralidade afetada e toxidade maniqueísta), que procura gatilhos cúmplices e conservadores do público para que sejam desenvolvidos, entre silêncios clichês e ações muito didáticos. “As Polacas” realmente não acredita mesmo que o espectador tenha competência, sagacidade e perspicácia suficientes para entender as possíveis sutilezas. “Quando se dorme, o tempo desaparece”, diz-se. Tá, ok! 

“As Polacas”, que inclui em sua narrativa imagens do Rio de Janeiro antigo, quer também ser um filme denúncia do passado e reacordar os primórdios do feminismo dessas “criaturas abjetas”. De um lado, um cafetão, intimidação e o tráfico sexual. Do outro “putas” que “precisam encarar a profissão como uma aventura” e que “transgridem suas próprias crenças”. Daí para frente, o filme perde o próprio controle ao colocar tudo de uma vez: chantagem, leilão de virgem, filho preso sem reptação e a luta para que essas “mulheres da vida” pudessem ser enterradas decentemente em cemitérios, em Inhaúma o israelita era o único. Sim, cada vez referenciamos mais e mais a novela “Travessia”, de Gloria Perez. E sim, infelizmente torcemos pelo “cafetão” e seu show de interpretação. 

2 Nota do Crítico 5 1

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