Aponta pra fé – ou todas as músicas da minha vida
Força de dois
Por Vitor Velloso
Durante o Fest Aruanda 2020
“Aponta pra fé – ou todas as músicas da minha vida” de Kalyne Almeida é uma obra que possui características recorrentes do cinema brasileiro contemporâneo, um modo de produção independente, que busca fugir dos padrões mercadológicos mas busca a transa a partir de aplicações formais e de uma possível adaptação. O longa vai atrás de “afetos e resistências”, a tônica dos últimos anos, a necessidade de delinear parte das lutas brasileiras, neste caso iniciando refrega em Porto do Capim, para que o espectador adentre em suas personagens e nas forças femininas presentes a partir do texto.
O problema é que essa linguagem busca amparo em formas particulares da burguesia, não como uma assimilação direta, mas como uma utilização que busca recursos na facilitação mercadológica. O suposto amadorismo, uma acusação recorrente, consegue nos aproximar da narrativa, representando essa ternura presentes em eixos dessa trama. Contudo, há uma fragilização que surge a partir da fragmentação excessiva. O espectador parece estar diante de uma experiência que o interrompe constantemente, pois o espaço e o tempo não é permitido para contemplação, tudo surge com velocidade exacerbada, desaparece rapidamente. Os “afetos e resistências”, citados anteriormente, parece estar em um campo distinto do projeto final, que não consegue consagrar nenhum de seus objetos formais para alcançar uma força de distinção dessa prosa no debate política contemporâneo.
É mais uma obra que está percorrendo caminhos já explorados, com a rouquidão de gritos silenciosos. Um barato burguês que vai encontrar algumas forças em ideias estoicas, mas não consegue se entender na montagem. Essa falta de compreensão interna reaparece como um vácuo nas resoluções das cenas, que são cadenciadas por diálogos expositivos e artificiais. Além de uma interpretação comprometedora, que não consegue dobrar os diálogos a seu favor, mas intensificam os sentimentos dos mesmos. “Aponta pra fé – Ou todas as músicas da minha vida” nasce como projeto burguês em seu título e segue como elemento de conciliação entre dois âmbitos distintos. É uma necessidade de diferenciar-se de determinados pontos basilares da linguagem cinematográfica, através de um tempo dilatado, que soa impaciente, de breves digressões (como o plano que segue a caixa de ferramentas) que não possuem fim em si mesmas. E toda essa desorganização das ideias, se alinha diretamente com uma força de resistência na própria concepção da palavra, que jamais se impõe diante dos problemas explicitados. A temática da desapropriação da comunidade de Porto do Capim que é representado no longa, a partir dos reformismos e dessa questão exterior a própria problemática da família protagonista (com interseções em conteúdos apelativos), nos recorda dos piores momentos de Kleber Mendonça Filho e sua tentativa de reforma a partir do indivíduo.
É a antítese de Fanon x Glauber e a estética da violência. Um Brasil que nos parece mais distante e utópico. A representação de um projeto que o cinema brasileiro contemporâneo segue investindo, que mostrou sua inércia diante da realidade do Brasil e da cultura nacional.
“Aponta pra fé – Ou todas as músicas da minha vida” pode encontrar alguma força no público, a partir de suas personagens que estão constantemente em lutas diárias, mas seus desenvolvimentos não conseguem uma construção sólida em si, estão sempre em disparada para alguma catarse vindoura, que quem sabe arranca um aplauso no escuro do cinema. É uma pena que o tema da desapropriação vêm sendo abordado por estas questões privadas e particulares, não a partir de um método que abre uma possível análise do problema na realidade brasileira. E se pudéssemos de fato, nos aproximar de suas personagens para sentirmos com elas suas perdas e feridas, ao menos poderíamos sentir de onde vem a suposta força. Mas nem o eixo dramático que envolve a avó da protagonista possui um peso para além do prosaico recorrente da obra.
Essas forças vão se perdendo nessa base formal, consensual, que o cinema brasileiro contemporâneo está perpetuando como forças de resistências ou modos de produção. O Nordeste segue sendo a maior aula de cinema para o Brasil, mas têm de encontra uma unidade, uma organização para estes modos de produção, do contrário as palavras de Rosa Luxemburgo se perderão no tempo e estaremos cada um buscando forças para permanecer, não mudar.