Apneia
Contra a Maré
Por Jorge Cruz
Passamos os nove meses de gestação nadando no útero de nossas mães. Tanto que o parto realizado na água se popularizou entre aqueles que tem condições de realizar o procedimento. O curta-metragem “Apneia” parte dessa condição que iguala todo e qualquer ser humano para contar a história de Muriel (Carol Sakura), uma menina que precisa idealizar e fomentar essa criação em sua cabeça para conseguir conviver em um mundo onde seu pai não existe.
Ser filha (ou filho) de mãe solo (ingenuamente chamada de mãe solteira pelo roteiro) é outra condição que iguala boa parte da população brasileira. De acordo com o IBGE, em 2015 eram quase 12 milhões de famílias em que as crianças e adolescentes não possuíam referência paterna. Sakura, que além de dar voz à protagonista roteiriza a produção e a dirige ao lado de Walkir Fernandes, cria uma interessante conexão entre personagem e elemento da natureza. Contando a história de uma protagonista que se nega a elevar o pai à condição de vilão, as vezes de antagonista fica por conta da água em sentido amplo. Em “Apneia” o progenitor, posto que ausente desde sempre, precisa ser idealizado e Muriel de certa maneira romantiza o que entende como pai.
Nesse raciocínio infantil construído por Muriel, o fato de ser do signo de peixes lhe dá esperanças de ter vindo do mar – sendo lá onde seu pai estaria. Nessa maneira pura de concluir a partir de corretas premissas das crianças, não é errado dizer que todos nós viemos da água. Porém, um acúmulo de experiências negativas e o objetivo de encontrar o homem da qual descende nunca alcançado, faz a garota repensar o quão problemática é sua relação com o líquido que ao mesmo tempo nos constitui, é o único que, uma vez ausente, torna impossível nossa existência. A condição da mulher como importante elemento da narrativa remete a outra produção com essa linguagem que vem se fazendo presente em inúmeros festivais, “Vivi e o Quadro Mágico“.
Com estilo parecido com o do curta-metragem “Hornzz“, uma dança poética de divagações, coroando um importante protagonismo feminino, coloca “Apneia” em uma lista cada vez maior de animações que se mostram verdadeiras aulas de autonomia e empoderamento, mostrando que a adaptação à solidão e ao conformismo talvez não seja a única saída.