Festival Curta Campos do Jordao

Andança: Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho

Brasilidade em material

Por Vitor Velloso

Festival do Rio 2022

Andança: Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho

“Repórter: Ainda falta muita coisa pra que a música brasileira seja mais respeitada?

Beth Carvalho: Eu acho que falta sim. Acho que falta brasilidade.

Repórter: O que que é isso, Beth?

Beth Carvalho: Negritude.”

É impressionante como os registros presentes em “Andança: Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho”, de Pedro Bonz, não se perdem em uma lógica de construção da imagem da protagonista. Se é que algum tipo de fragmentação dessa carreira poderia fazer com que o público perdesse a dimensão de seus feitos. Ainda assim, a montagem, também assinada por Pedro, é capaz de costurar os encontros e memórias com o posicionamento político de Beth, suas composições, paixões e desilusões em ressonância com o Brasil atual. Talvez neste último haja uma certa necessidade de afirmação diante do espectador, como quem procura um êxtase final na sala de cinema, antes de deixar a sala. Está longe de ser um problema, mas recai em um certo lugar comum das últimas produções do cinema brasileiro. 

De toda forma, essa enorme quantidade de material de arquivo, manipulada com uma finalidade particularmente clara, transforma o documentário em um passeio guiado por Beth, onde o Pedro Bonz parece se retirar de cena para que Beth possa aparecer. É uma atitude humilde do cineasta, pois é recorrente que haja uma necessidade de tentar chamar atenção para determinados elementos específicos que interessam os realizadores, sejam eles recortes temporais ou temáticos. Aqui, em “Andança: Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho”, só Beth é necessária. Uma anfitriã que nos conduz nessa imensidão de sentimentos, desde conversas particulares com Moacyr Luz, história com Nelson Cavaquinho, interpretações com Cartola, sorrisos com Mário Lago, Arlindo Cruz já debilitado cantando, e claro, Beth cantando deitada, por conta de sua saúde. Algumas dessas imagens nos traz o sorriso, outras a tristeza de saber que perdemos tantos nomes ao longo desses anos. 

Mas a obra não se concentra apenas em sua carreira, também se debruça para mostrar registros pessoais, a gestação e recortes familiares que nos aproxima mais da pessoa Beth, não só da lenda. Ainda que a pessoa pública seja incontornável, é sempre um prazer poder compartilhar algumas intimidades de figuras que tanto admiramos, humanizando um processo que por conta da grande mídia, sempre nos parece distante. 

E claro, sua intensa paixão pelo processo democrática, sua participação política direta durante a Diretas Já! e seu apreço por candidatos que respeitam a democracia e lutam por ela. De forma inevitável, pelo atual contexto que o país atravessa, “Andança: Os Encontros e as Memórias de Beth Carvalho” faz um esforço para criar essa aproximação com a contemporaneidade, permanecendo ao lado de sua protagonista pela necessidade de construir um Brasil que possa abarcar o brasileiro, sem oprimir ou cercear . Essa sua característica, presente no material de arquivo com alguma frequência, é parte fundamental de seu discurso em torno da cultura brasileira também. Em determinado momento, há uma pergunta para a artista, de como seria a recepção na Zona Sul do Rio de Janeiro, notoriamente uma área mais enriquecida que a Zona Norte, Baixada e parte da Zona Oeste, e sua resposta é sempre a favor da inclusão. 

O documentário, exibido no Festival do Rio 2022, consegue arrancar lágrimas de seu espectador justamente por não se esconder na figura pública ou mesmo de traçar um fator limítrofe para a representação da protagonista, como dito anteriormente, é quase como que Beth nos desse a mão e nos apresentasse as memórias e encontros para uma dança que não precisa ser a última, mas que tal como uma gira, reúne todos que estão presentes naquele espaço, seja de que lado for. 

Foi uma bela escolha de título.

“Vim tanta areia andei

Da lua cheia eu sei

Uma saudade imensa

Vagando em verso eu vim

Vestido de cetim

Na mão direita rosas vou levar

Olha a lua mansa a se derramar (me leva amor)

Ao luar descansa meu caminhar (amor)

Meu olhar em festa se fez feliz (me leva amor)

Lembrando a seresta que um dia eu fiz (por onde for quero ser seu par)

Já me fiz a guerra por não saber (me leva amor)

Que esta terra encerra meu bem-querer (amor)

E jamais termina meu caminhar (me leva amor)

Só o amor me ensina onde vou chegar (por onde for quero ser seu par)

Rodei de roda andei

Dança da moda eu sei

Cansei de ser sozinha”

4 Nota do Crítico 5 1

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