Anaconda
Toma que ainda estou aqui
Por Fabricio Duque
“Toma”. A estreia do quinto filme da franquia “Anaconda”, desde 1997, poderia ser mais um produto de aventura, à moda revisitada pelo moderno de um “Indiana Jones” com “Jumanji” mais independente, com mais humor disfuncional e escrachado, no calendário natalino, e passar completamente despercebido, se não fosse a presença no elenco de Selton Melo, que antes mesmo do filme chegar ao Brasil já colheu elogios ao brasileiro, pela imprensa internacional, como “um grande achado”. Conversei com o ator na pré-estreia do Rio de Janeiro, que disse ao Vertentes do Cinema que o convite surgiu quando ele estava com Walter Salles e Fernanda Torres em Los Angeles na campanha para o Oscar de “Ainda Estou Aqui”, “neste momento, tinha esse filme, tinha um personagem brasileiro e eles disseram: queremos conhecer esse cara; fizemos um zoom, batemos um papo e eles disseram: é você”. Isso dá mais uma camada a este filme, levantando a questão de todo esse trabalho-lobby de levar nosso cinema para ser conhecido lá fora. É verdade, Selton aqui tempera o filme com seu “molho”, com seu poder metamórfico de imprimir o elemento cômico mais naturalmente coloquial, como se o método viesse totalmente do popular, só que tecnicamente ajustável, encorporando cada personagem que já viveu. Assim como no filme, sua forma precisa de atuar atravessou o seu papel e “domou” todas as cobras com um “toma”. Mais brasileiro do que isso talvez não exista.
A “Anaconda” de 2025 é dirigido pelo norteamericano Tom Gormican, que dirigiu e escreveu “O Peso do Talento” com Nicolas Cage e Pedro Pascal, foi um dos roteiristas de “Um Tira da Pesada 4”, e estreou com “Namoro ou Liberdade”, num elenco que conta com Zac Efron, Michael B. Jordan e Miles Teller. Isso talvez explique muito sobre a obra em questão neste texto, porque em seu terceiro longa o realizador, ainda que com atores mais “queridinhos”, conseguiu construir uma narrativa despretensiosa, em que se busca a diversão e o exagero, tudo por nos conduzir pela comédia satírica e auto-consciente, que “tira sarro” dos remakes e da indústria de Hollywood. Mistura-se então um humor mais “pastelão” com homenagens (muitas referências “easter eggs” à obra original de 1997) e ao terror dos anos 90, com foco no absurdo e nas piadas-metas, que são aquelas que brincam com a ideia de objetivos, ambições, ou planos, muitas vezes usando trocadilhos, situações irônicas ou o exagero para gerar humor. Esta “Anaconda” busca se construir também no carisma de Paul Rudd, Jack Black, Steve Zahn e Thandiwe Newton além de Selton Mello é claro (que traz embutido um que de Chicó em “O Auto da Compadecida” com um que do seriado “Os Aspones”), sendo mais leve, quase de subversão ao gênero, que assustador.
A estrutura-base do roteiro de “Anaconda” é comum e ordinária, mas sua maestria está mesmo na despretensão e na quebra da própria metalinguagem. Como já disse, o filme é uma comédia de aventura, que se desenvolve pelas situações adversas e inevitavelmente pelo humor à la quinta-série, e que não quer de jeito algum se levar à sério. Quem lembra por exemplo de “Trovão Tropical” (2008), de Ben Stiller, só que aqui com uma cobra gigante? Pois é, talvez o segredo de uma obra cinematográfica esteja mesmo em aceitar o que se é. Sim, este é um longa de experiência que precisa ser vivenciada na tela escura. Talvez não funcione tanto em casa. Isso ficou bem explícito quando a sessão carioca teve a mesma vibe de uma CCXP, com interações do público durante a exibição. É o que se chama agora de cinema de empolgação emocionada, em que assistir junto com o coletivo cria a comoção afetiva de “turma”.
“Anaconda” também é, um pouco mais sútil, uma crítica à indústria hollywoodiana, em que se percebe especialmente na cena de uma nova equipe de filmagem que “rouba” a ideia. Pois é, aqui, desculpe-me pelo ínfimo spoiler, nem a Sony, a “chefona” foi “poupada”. É, se pensarmos que cada vez o cinema busca ser mais sisudo, este filme é um sopro de “jeito de criança”, por acoplar forte imaginação, curiosidade em explorar sem nenhum receito (e autoproteção) emoções intensas (birras, alegria, frustração) forte desejo de atenção e aprovação, traços individuais de personalidade que moldam sua interação com o mundo e como ser mais expansivo. Com “Anaconda” recuperamos uma liberdade sem ressalvas em “alimentar” nossos guilty pleasure, os famosos prazeres culposos que causam vergonha. Tudo aqui acontece por uma organicidade mais visceral e mais fisiológica, tanto às interpretações de seus atores e da parte técnica, que embarca junto nessa atmosfera trash gore de ser, talvez por colocar estrangeiros na Amazônia, ou simplesmente como Selton disse na apresentação no palco do Odeon que “é um filme diversão”.


