Alvorada
O tempo e suas consequências
Por Vitor Velloso
Durante o Festival É Tudo Verdade 2021
A partir dos eventos de 2013, parte da filmografia nacional se debruçou diante da temática política imediata a fim de debater a política brasileira. Desde então, muitas obras passaram a analisar o momento volátil que deu origem ao impeachment de Dilma Rousseff, chegando à apropriação da bandeira nacional em movimentos posteriores. “Alvorada” de Lô Politi e Anna Muylaert exibe uma perspectiva distinta dos demais filmes, porém vem com um atraso evidente. O longa assume uma proximidade com a ex-presidente, mostra seu dia-a-dia tentando articular alguma forma de resistência ao ataque. Porém, nada se debate dos acontecimentos ocorridos ali, não há uma postura que evidencie um posicionamento que esteja exterior à admiração pela figura que ali se encontra.
Não há como negar que o exercício é mais inócuo que o esperado. As poucas conversas com Dilma, estão deslocadas do contexto, se tornam um objeto prosaico que é incapaz de fomentar algo além de uma retomada histórica. Mas os cinco anos que nos separam, tornaram o material presente em “Alvorada” datado e nada proveitoso. Desde então a cadeira foi ocupada por duas pessoas diferentes, o Brasil entrou na pior crise econômica e política de sua história, convencionou uma mentalidade reacionária como resposta ufanista às possibilidades exteriores (não norte-americanas) de influência direta. E uma pandemia que deslocou nosso senso de tempo e espaço ao confinamento. Atualmente, não existe apenas um “momento”, acompanhamos as notícias na expectativa de sabermos qual será a bomba do dia.
Essa demora em conseguir finalizar o projeto, apenas diminuiu a eficácia do mesmo. Reduziu os sentimentos à nostalgia (sentimento amplamente ambíguo) por um lado e a necessidade de “justiça” por outro (outra noção que foi contaminada). A ideia de resistência, um royalty contemporâneo, assume aqui seu estoicismo de uma maneira mais exposta. Uma verve que encontra força apenas na ação do outro. “Alvorada” funciona assim. Necessita de uma ação no quadro para tomar uma atitude diante da forma. Sua constante observação, quer encontrar algo que possa ser utilizado no material, mas a falta de consciência temporal ali presente, dominada por um imediatismo pouco pragmático, faz com que a suposta denúncia, seja uma fragilidade no funcionamento de sua exposição. O longa parte de uma passividade, nada surpreendente, que cansa o espectador. Separa as pequenas conversas com Dilma, para tentar dinamizar e atrair a atenção ao longo de sua projeção.
Está claro que seu posicionamento está explícito, aliás ela foi até o Palácio filmar, como um gesto direto. Contudo, parece mais preocupada em gerar um impacto ao longo do tempo, montar o filme para que ele tente trazer uma nova perspectiva após tantos anos e tantas obras martelando o assunto. Se “enquadrar é sempre excluir”, aqui, os diretores se esforçam para “incluir”, mas como todo movimento feito a partir de uma singularidade em perspectiva. Cai no mais abjeto programa falido, uma necessidade de lembrar que a decadência de seu material é fruto de uma falência geral de uma política em queda. Aqui, Muylaert e Lô, não se distanciam muito de Petra Costa, em suas relações burocráticas e delírios objetificantes.
“Alvorada” quer ressuscitar algum tipo de sentimento, seja a revolta, a tristeza ou a admiração por sua protagonista. Mas parece chegar tarde demais para conseguir ser efetivo até no sentimento derrotista, que já foi ocupado por uma montanha russa de acontecimentos contemporâneos que abalaram as estruturas nacionais. Tenta acrescentar algo ao filme, em uma montagem que se esforça em pequenos trechos para contextualizar e aproximar as discussões contemporâneas de vácuos deixados. O plano final é uma prova disso. Problematiza a própria finitude que ocupa seu personagem título, mas segue perseguindo um fantasma que já se materializou e fragmentou ainda mais a política nacional.
Apesar de dar rosto ao aparelho da antiga presidente e insistir no “ex-cargo” para apresentar cada um dos personagens, não vai além de mostrar a dissolução e esperar um futuro pior. A demora no lançamento soa muito como uma tentativa de encontrar sentido no próprio material, novamente.