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Alex Jones – Uma Guerra Contra a Verdade

Pós-verdade e baixaria

Por João Lanari Bo

Alex Jones – Uma Guerra Contra a Verdade

Alex Jones – Uma Guerra Contra a Verdade”, realizado por Dan Reed em 2024, é um documentário que exige um esforço peculiar do espectador – não apenas pela bizarrice do personagem, o patético Alex Jones, mas pelo absurdo inacreditável da situação. Claro, para racionalizar essa piração os acadêmicos inventaram conceitos explicatórios, como a ideia de pós-verdade, ou seja: algo que aparenta ser verdade é (ou pode ser) mais importante que a própria verdade. Não é falsificação da verdade, é a insistência da não-verdade que termina por se configurar como verdade, pelo menos para parte da audiência, aquela com vínculos emocionais com o emissor da negação.

Tudo isso são, em última análise, firulas escapistas para contornar o fracasso civilizacional que significa a incidência de Alex Jones na esfera comunicacional pública, como dizem os filósofos. O fato: no dia 14 de dezembro de 2012, na escola primária de Sandy Hook em Newtown, Connecticut, Adam Lanza, de 20 anos de idade, matou 26 estudantes e professores e cometeu suicídio. Estava armado de rifle Bushmaster XM15-E2S e 2 pistolas. Após uma investigação no computador de Adam, foi descoberta planilha de Excel sobre diversos assassinatos em massa, todos extremamente detalhados. Nessa planilha, era possível observar informações sobre os alvos, armas utilizadas, datas e locais, entre outras categorias.

Pois, para Alex Jones tudo não passou de encenação – as crianças não existiam, os pais eram atores e atrizes desempenhando papéis ficcionais. A razão? Aos berros e com aquela estupidez voluptuosa que caracteriza esses apóstolos da internet, ele repetia que tudo não passava de lobby contra venda de armas para “cidadãos livres”. A despeito das evidências, Jones insistiu nessa argumentação por anos a fio. “Alex Jones – Uma Guerra Contra a Verdade” acompanha essa progressão obviamente dolorosa para os pais das vítimas: um caso onde a personalização na internet gerou “bolhas de filtro”, onde as pessoas veem apenas o que se encaixa com suas visões pré-concebidas. Onde mitos e distorções são propagados por algoritmos pontuados por popularidade, não por índices de veracidade. Pesquisa sobre a tragédia revelou que 24 % do público norte-americano introjetou – acredite, se quiser – a versão de Alex Jones.

Dan Reed é o tipo de diretor que não recua diante de assuntos desagradáveis. Entre outros, dirigiu em 2019 “Deixando Neverland”, sobre as alegações de abuso sexual de Michael Jackson. Para fazer “Alex Jones – Uma Guerra Contra a Verdade” foram necessárias incontáveis horas de análise e seleção de trechos disponibilizados no canal de Jones, o fatídico InfoWars, além de entrevistas com advogados e parentes, e registro de dois julgamentos de ações contra Jones, de compensação pelos danos que causou. Desnecessário ressaltar que os pais sofreram incontáveis ameaças e assédios na esteira da loucura do youtuber. No final, foi condenado a pagar 1,5 bilhão de dólares.

Em uma passagem, ninguém outro que Donald Trump se debulha em elogios a Jones: em 2016 o então candidato à presidência foi entrevistado no programa de rádio de Jones em Austin (Texas), quando recebeu a notícia, lisonjeado, que “90% dos ouvintes eram seus apoiadores”. Trump retribuiu o favor, dizendo: “Sua reputação é incrível. Não vou decepcioná-lo”. Nessa altura do campeonato Jones – que começou nos anos de 1980 beneficiando-se do “public access” que as empresa de TV a cabo foram obrigadas por lei a oferecer a quem quisesse, uma ideia liberal na origem, mas de consequências imprevisíveis – tinha construído um pequeno império midiático. Seus anunciantes são sobretudo produtores de complementos vitamínicos. Foram décadas de fermentação de todas teorias conspiratórias possíveis e imaginárias, alavancadas pela expansão da internet e redes sociais, até chegar ao paroxismo da negação do evento trágico da escola Sandy Hook.

Uma das facetas perversas dessa, digamos, experimentação social, é que os agentes negadores exibem uma incrível capacidade de … negar a própria negação. Um dos exímios praticantes desse surpreendente movimento é o próprio Trump – nunca admita que você errou, ensinava a ele o advogado Roy Cohn em “O Aprendiz”. Essa dialética negativa em segundo grau corre o risco de repetir-se no caso de Alex Jones: ele decretou falência, seus bens estão sendo avaliados e a expectativa é que pague algo em torno de 8 milhões de dólares, através de leilão de equipamentos e propriedades.

Mas, com um agravante: doadores e aficionados estão se cotejando para adquirir o espólio e, helás, garantir a sobrevivência da persona midiática Alex Jones.

 

4 Nota do Crítico 5 1

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