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Al Naher

Inevitável suspiro

Por Vitor Velloso

Durante o Festival de Locarno 2021

Al Naher

“Al Naher” de Ghassan Salhab é uma obra em torno das impossibilidades. A inevitabilidade do medo daquilo que está acima das vontades, a incapacidade de solucionar o que é exterior. É uma tentativa de sintetizar o sentimento que paira no Líbano há muito tempo, um temor constante que sufoca os personagens. O problema é que essa construção apóia-se na questão material do país mas repousa em um irracionalismo contemplativo que não chega a lugar algum.

Os primeiros minutos são eficientes em dar o tom fatal da narrativa, construir uma espécie de apocalipse que não se vê, onde o fim se aproxima. A luz acabando, a nuvem no céu, o animal reagindo, os jatos cruzando o céu (com a pergunta: “Você já viu tantos assim”). Porém, a partir dessa sequência a obra mergulha em um retrato inócuo de uma paisagem política onde breves elementos situam o espectador. Sem nenhum norte, os personagens caminham e o filme acompanha suas andanças pela natureza, adentrando em uma espécie de consciência fatalista. O drama dos personagens está em suspensão, a pouca quantidade de diálogos poderia ser um dispositivo para esse encontro, mas o sentimento de “lugar nenhum” é a tônica de cada fragmento de “Al Naher” que não propõe respostas por não fazer perguntas.

O maior desafio aqui é encontrar algo na obra que mantenha o interesse em seguir adiante. Apesar das belas paisagens e imagens, o ritmo do filme é arrastado e a falta de um conflito definido na narrativa faz a mente divagar. No drama, há uma suposta questão a ser resolvida, mas não existe um desenvolvimento progressivo, apenas frases soltas que se conectam e tentam formalizar um diálogo. Nem as cenas onde há uma conversação mais prolongada, conseguimos compreender a razão dos personagens estarem ali, suas motivações para existir uma tensão entre os dois, para onde estão indo, seus passados etc. As pistas são espaçadas e servem mais como dispositivos formais nessa construção de uma prosa contemplativa. O celular se torna um fetiche imagético duvidoso, relembrando algumas captações e travando alguns julgamentos conflituosos dos protagonistas, redimensionando essa paisagem para um formato distinto que não se justifica. A ideia da exposição do outro gera uma reação imediata de negação também parece deslocada.

Essa desarticulação generalizada faz com que “Al Naher” seja tão solto e frágil nas propostas que é possível notar quais ideias foram abandonadas ou desenvolvidas até onde convinha essa exposição paisagística. O ataque furioso à uma cerca é uma descarga de energia pouco compreensível, dando lugar a uma nova caminhada sem rumo. A sensação geral é que um punhado de ideias formais foram concatenadas em uma obra que sabe o poder plástico de suas imagens, mas não sabe o que dizer. Ainda que o intuito fosse transmitir ao espectador o medo febril de um lugar que perdeu a vida, onde fantasmas se confundem no tempo, essa construção não se materializa por uma falta de representação dessa própria história ou das ruínas dela. Nos poucos momentos em que faz isso, tanto nos primeiros minutos, quanto na cena das minas, é capaz de expandir a percepção para além de um rigor estilístico que se esvazia no próximo corte.

Quanto mais o projeto investe em seus simbolismos, os dispositivos se tornam uma evidência da falta de estrutura, como uma necessidade de criar uma “nova” situação para os andarilhos fantasmas de um lugar inóspito. E quando a compreensão dessas ideias é traduzida como uma realidade do Líbano, torna-se ainda mais urgente que esse estoicismo não permaneça como muleta de um rigor formal. A névoa que chega à objetiva, é mais material que a unidade do longa. E quando é dito pelo diretor que a ligação de seus últimos projetos é “essencialmente orgânica”, fica visível que não há denúncia a ser formalizada, apenas a contemplação de uma ideia.

“Al Naher” é frustrante e cansativo, leva o público à exaustão dessa caminhada. Nesse sentido, é eficiente em demonstrar o cansaço de seus personagens diante da situação em que (não) se encontram, mas a lentidão e seus simbolismos levam as coisas para um campo contemplativo que não chega a lugar algum e pouco convence o espectador em suas duas resoluções distintas, uma irracionalista e outra permanente, ambas perseguem o inevitável existencialismo, sem nunca entender o mesmo.

2 Nota do Crítico 5 1

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