Abismo Tropical
O derrotismo e a classe
Por Vitor Velloso
Paulo Caldas é um dos diretores com personalidade na cinematografia brasileira contemporânea. Dividiu a direção com Lírio no marcante “Baile Perfumado” (1997), progrediu no campo do documentário com “Saudade” (2017) e “Flores do Cárcere”, Barbara Cunha (2019). Seu novo projeto “Abismo Tropical” é um filme que tenta passar parte do sentimento de Outubro de 2018, mas como “Democracia em Vertigem” (2019) parece assumir uma representação burguesa e derrotista dos acontecimentos no Brasil para utilizar como perspectiva inicial.
Primeiro por utilizar essa abordagem individual, que foge uma análise crítica dos reais desdobramentos das eleições, onde a visão de classe se sobressai e ganha corpo nessa questão formulaica de projetos. Segundo porque busca um vislumbre atravessado de como isso impacta o país, reconhecendo aqui os nortes como uma frente ampla fascista. Algo que já foi debatido amplamente a partir de outros pensadores, que defendem o prefixo “proto”, por não possui uma base popular que verticalize o poder a este ponto. Mas com tudo isso, a monotonia da produção burguesa cansa o espectador com a fala mansa, as imagens em câmera lenta e a fetichização de um povo inibido do ódio e da violência. É uma relação muito frágil com a realidade, que sempre possui mediação a partir dessa visão exterior de um movimento totalizante e material da realidade brasileira.
E este problema é uma constante nas últimas produções acerca da política nacional, no cinema, pois não busca um conhecimento totalizante da situação, apenas expõe um grau de desalento do eterno país do futuro. Algumas das perspectivas particulares, privadas, aqui presente, até possuem alguma ligação minimamente sólida dentro de um contexto político e histórico que o diretor busca, mas caem em todas as amarras pragmáticas e utilitaristas de simbolismos. É um projeto que foca seus esforços em relatar essa falta de esperança com um país fálico, que vê o conservadorismo avançar violentamente, mas não ultrapassa essa visão derrotada e fragilizada de uma classe que se viu iludida ao longo dos anos pós-reabertura. Essa ilusão, aliada ao pragmatismo conceitual da burguesia, leva o filme a questionar questões culturais do Brasil, como se o momento individual ali fosse uma representação absoluta do país. Mesmo problema de “Democracia em Vertigem”.
Infelizmente, vem tornando-se comum essa abordagem existencialista dos projetos que buscam abarcar o impeachment de 2016 e as eleições de 2018, pois a verdadeira discussão material, econômica, social e ideológica, é posta em cheque como contraponto de uma repressão instrumentalizada pela própria burguesia. E aqui deve ser dito que a importação de morais e dogmas, tal como a pirataria ideológica praticada é uma tendência classicista, mas que encontra na linguagem de “Abismo Tropical” um semelhante à altura, formalizando e institucionalizando as falas mansas, o existencialismo e o prosaico como uma frente inequívoca no modo de produção. Um problema a ser debatido no cinema brasileiro contemporâneo, já que essa internacionalização cultural, significa uma redenção diante do cenário estrangeiro e um pedido de acolhimento. E as poucas diferenciações possíveis aqui, com a política praticada pela burguesia que apoia o governo protofascista, está, tendenciosamente, no discurso que é proferido, pois a forma, como Pasolini previu, foi homogeneizada e substancializada como recorrência individual e programática.
É uma espécie de demarcação do axioma burguês a partir de políticas liberais que desvirtuam o pensamento progressista, mas não fere o lugar da classe dominante enquanto o tom conciliatória se mantém. E aqui, devo ressaltar pela enésima vez, não me refiro à direção em si, sim à forma como o projeto se articula nessa estrutura exterior, de observação e derrotista diante da realidade do povo Brasileiro, sem ao menos discutir os impactos que isso trará para os povos. Acusar o extermínio, o preconceito e assassinato, é prática recorrente da denúncia minimamente plausível, porém traçar os verdadeiros impactos em uma política ampla e econômica, se tornou uma exceção que deveria ao menos receber espaço.
Por fim, “Abismo Tropical” entrega tudo aquilo que o espectador já sabia, conhecia e escutou de outros projetos, não verbaliza uma contundência do cenário político, apenas expõe as vísceras de um país que se entregou ao reacionarismo e ao ódio para desviar de uma política progressista-liberal. Ou seja, o filme não se distancia em nada dos outros longas e curtas que discursam sobre um “país que não deu certo”. As lágrimas não são o suficiente, é preciso lembrar de Darcy no túmulo de Glauber.
O lançamento de ABISMO TROPICAL na plataforma Innsaei.tv acontece no dia 05 de novembro, quinta-feira, após debate, às 20h, do diretor com o cineasta Kleber Mendonça Filho e a ativista e multiartista Preta Ferreira (Janice Ferreira), que nos convidam a refletir sobre política e devir. O filme terá acesso gratuito por 24 horas, das 21h de quinta até às 21h de sexta. Depois, ABISMO TROPICAL poderá ser alugado a R﹩ 10,00 (dez reais). A partir do aluguel, o espectador terá 72 horas para assistir o documentário.