A Revolta dos Malês
Minissérie entre dois tempos
Por Vitor Velloso
Festival Estação Virtual
Belisario Franca dirigindo um longa de ficção junto à Jeferson De é algo que desperta interesse, mas “A Revolta dos Malês” é um projeto bastante particular, que surpreende na abordagem que assume e pode gerar surpresas positivas e/ou frustrações, em um curto espaço de tempo.
A intenção de realizar uma pesquisa histórica para encontrar no tempo-espaço que transa entre o teatro e o cinema, faz com que as limitações do cinema possam ser abarcadas pelo teatro em uma clara continuidade, da mesma forma que a síntese material provocada pela imagem cinematográfica, articula uma outra perspectiva da limitação da arte teatral. Quando vemos um conflito reduzido a esses corpos em cena, não temos a banalidade da violência, mas uma espécie de espetacularização do próprio evento. Isso fica mais exposto quando a montagem recorta o tempo, encontrando nos mesmos espaços, uma perspectiva distinta, um quadro de outra ordem etc. Por essa razão, o espectador pode sentir que as mudanças de tempo em um espaço em constante suspensão, pela própria farsa material, apenas munida da representação do ali e agora, geram alguns vácuos de ritmo que pesam no fim.
Está claro que a proposta de “A Revolta dos Malês” se mostra rica ao conseguir costurar uma série de acontecimentos em um tempo recorde, sem precisar criar montagens paralelas, mas conseguindo assimilar tudo na mesma tela, utilizando a limitação do cinema ao próprio favor. Mas essas escolhas encontram uma tremenda dificuldade em conseguir abarcar um espectro histórico que possa ser discutido de maneira dialética tal como a forma. E aqui, entra um fator chave da linguagem, a abordagem assume os campos formais sem buscar na ideia de identidade um fator discursivo que possa ser dado como “didático”. Não à toa, o espectador pode se sentir confuso com os recortes que a obra faz, ou mesmo perdido diante da história. Esse sentimento não é particular, mas uma tradução que o longa faz desse palco-histórico que é dado em tempos e espaços determinados pela própria produção.
Essa ideia da representação costurada por uma síntese do espaço-tempo em quadros “materiais”, pode gerar uma grande dificuldade de imersão em uma narrativa com desdobramentos muito claros e específicos. É uma provocação compreendida entre a exposição e a necessidade da síntese dramática em uma adesão ao diagnóstico basilar que o teatro pode propor. Entre a farsa e essa representação em um rigor formal, a escolha de não partir para uma identidade construída na diferença, faz com que os homens brancos sejam silhuetas históricas e “fantasmas” que assombram os protagonistas. O eixo dramático familiar com Guilhermina ao centro, passa a ser deslocado conforme os eventos históricos irrompem. Dessa maneira, o espaço também é suspenso e a violência é evidenciada por quem compõem a materialidade, seus protagonistas, não apenas o fato de maneira didática.
“A Revolta dos Malês” toma os caminhos mais difíceis nessa encenação. Com méritos e problemas, o filme possui um encaminhamento tão lento que pode perder o interesse de uma parte do público, mas encanta com alguns “pragmatismos” formais que tornam a experiência visualmente complexa e econômica. Um paradoxo bastante curioso, construído por dois cineastas de perspectivas históricas distintas.
Algumas interpretações são excessivamente unilaterais e reforçam o conteúdo dramático, reforçando que a matéria histórica paira sobre os quadros. Mas o texto parece se perder em diálogos que não são apenas expositivos, como construídos em uma diretriz teatral que muitas vezes não funciona nessa ordem mais narrativa. Quem sabe o recurso oral descritivo não fosse uma saída para esse imbróglio? De qualquer maneira, “A Revolta dos Malês” é um filme curioso que desafia o espectador em um jogo de mise-en-scène de transas múltiplas. Caso haja o interesse pelos fatos históricos de maneira mais totalizante e ampla, pode não ser o melhor projeto para se engajar. Mas sem dúvida possui méritos e coragem na disposição que cria para utilizar-se do palco histórico e literal em um tempo que transita no que a montagem recorta e a duração interna desses planos.