A Música de John Williams
O erudito popular
Por Pedro Sales
Não é exagero algum afirmar que John Williams é o mais emblemático compositor de Hollywood. Com trilhas sonoras que atravessam gerações, o músico sempre foi capaz de criar melodias memoráveis que perduram com o espectador, remetem imediatamente ao longa. Star Wars, Indiana Jones, Jurassic Park, Harry Potter são alguns desses exemplos. Da mesma forma que essas séries resistem na história com novas atualizações, o mesmo se dá com a música de John Williams. Neste sentido, o documentário dirigido por Laurent Bouzereau é bastante efetivo em celebrar o legado musical do compositor e acessar seus pontos mais altos e também mais lembrados. “A Música de John Williams“, no entanto, é um longa metragem que consegue escapar à facilidade e conforto de martelar exaustivamente os bastidores das trilhas mais celebradas. A obra faz apanhado histórico da trajetória de Williams, desde quando era apenas Johnny, para chegar ao sucesso, à carreira como maestro, à resistência das orquestras e, claro, à sua vida pessoal.
Para além de todo reconhecimento da indústria, as inúmeras indicações ao Oscar e vitórias – cinco estatuetas –, não é a fama de John Williams que o precede, e sim sua música. É bem capaz, inclusive, que muitos conheçam as linhas melódicas da Marcha Imperial de Star Wars, ou o tema de “E.T.: O Extraterrestre”, sem saber quem compôs. O compositor, portanto, é muito mais conhecido pela sua obra do que pela sua figura em si. O que o documentário faz aqui é um movimento que também aconteceu na vida do músico: sair dos estúdios para ir em direção aos holofotes. Deixar de ser apenas compositor de trilhas, apesar de continuar com a função, para ser também maestro na Orquestra Boston Pops, fundada em 1885 como subsidiária da Orquestra Sinfônica da cidade. Para trazer Williams para frente das câmeras, a direção de Laurent Bouzereau faz uso de entrevistas para fazer um mosaico de quem é o compositor. Colaborador e amigo de longa data, o diretor Steven Spielberg é um dos que constroem a figura do músico com seus relatos, sua participação fica atrás, talvez, apenas da do próprio John Williams.
Apesar da abordagem tradicional das entrevistas, no melhor estilo “cabeças-falantes”, funcionar na maior parte do tempo, o recurso também é um problema na rodagem de “A Música de John Williams“. Quando Spielberg, George Lucas, YoYo Ma e Jennifer Williams, filha do compositor, falam, os relatos de fato interessam ao espectador, sobretudo pela proximidade deles com o retratado. Porém, quando Chris Martin, vocalista de Coldplay, e Seth MacFarlane dão seus pitacos, pouco se aproveita disso, uma vez que não acrescentam nada à trajetória musical de John Williams. Portanto, parece que a seleção dos entrevistados por Bouzereau não foi tão certeira, e esse é o ponto mais conflitante da obra em si para a construção da figura emblemática, porque são presenças que não se justificam narrativamente tampouco historicamente. Por outro lado, nos momentos em que traça a carreira de Williams de forma bem linear, o diretor traz à luz esse lado não conhecido do compositor: a família de músicos como incentivo a trilhar tal caminho. “Eu achava que todos os adultos viviam de música”, diz John Williams em dado momento.
Feita a genealogia, o filme entra no cerne da questão: a carreira de Williams como músico nem Hollywood. Antes pianista de jazz, logo se tornou arranjador e, posteriormente, compositor, galgando novos degraus conforme o tempo. A carreira pré-Spielberg, com quem começou a longeva parceria em “Louca Escapada” (1974), já antecipava algo de único no compositor, seguir a estrutura clássica de trilha, com orquestração, mas também experimentar com o simples, como em “Tubarão” (1975) e “Contatos Imediatos de Terceiro Grau” (1977). Pela preferência por orquestras com naipes de cordas, metais e percussão, John Williams ia de encontro com o padrão de composição vigente, mais minimalista, por assim dizer. Ao analisar as obras, Bouzereau demonstra o alcance e a versatilidade do músico, da comédia ao drama. Um dos exemplos dessa capacidade dialoga diretamente com o ano de 1993, quando Steven Spielberg lançou “Jurassic Park” e “A Lista de Schindler”, ambos com trilha sonora de John Williams, que transita do lúdico da aventura e admiração pelos dinossauros ao fúnebre em meio ao Holocausto. Junto a essa versatilidade, Williams também consegue, de forma muito evidente, acessar o espectador em nível emocional – sobretudo nostálgico, hoje em dia – e fazê-lo cantarolar a melodia, mesmo se utilizando da instrumentação erudita, com fagotes, oboés, tubas.
Dessa forma, “A Música de John Williams” é uma grande celebração do legado e da história do músico. Acompanha de forma cronológica a carreira de John Williams, do berço à atualidade, no alto de seus 92 anos. Por mais que a estrutura do documentário seja mais clássica e tradicional, a montagem traz mais dinamismo à obra, seja pelo uso das imagens de arquivo, combinação das cenas dos filmes, ou pelo uso dos próprios filmes caseiros de Spielberg na ocasião da gravação das trilhas sonoras. Neste longa metragem, Bouzereau envolve o espectador voltando às trilhas e celebra não só o John Williams de Hollywood, mas a figura dentro da música erudita em si. Quando torna-se maestro, lida, em um primeiro momento, com um conflito geracional junto aos músicos da orquestra. Afinal, para os mais velhos, tocar a trilha sonora de um filme não é o mesmo que performar Brahms, Mozart ou Beethoven. É emblemático também mostrar como hoje a “música de orquestra” bebe bastante das trilhas. Concertos lotados por fãs com seus sabres de luz vermelhos, verdes e azuis. É uma forma de mostrar como o legado de Williams não se restringe às trilhas inesquecíveis das séries de filmes tão bem sucedidas, possui seu espaço dentro do meio acadêmico, seja com sua música atonal para orquestra ou regendo alguns dos temas mais conhecidos do cinema. Demonstra, assim, que, além de emblemático, John Williams é um erudito popular.