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A Menina Silenciosa

O desabrochar da andarilha

Por Paula Hong

A Menina Silenciosa

Em meio às amplas possibilidades técnicas de contar histórias, cada vez mais inclinadas ao floreamento que sobrecarrega os estímulos, o filme “A Menina Silenciosa”, do diretor e roteirista Colm Bairéad, diz muito contando pouco — compatível com a introspecção da personagem principal, Cáit (Catherine Clinch), uma garota de 9 anos irlandesa pobre e de família disfuncional. A obra apoia-se sobretudo na sensibilidade, extraindo de feridas ainda não cicatrizadas uma possibilidade genuína de cura mútua através do cuidado e do amor na Irlanda de 1980.

Baseado na obra literária “Foster” da escritora irlandesa Claire Keegan, o filme conta, em irlandês, o desabrochar de Cáit, uma menina quieta, observadora e introspectiva, quando passa o verão na casa de Eibhlin (Carrie Crowley) e Seán (Andrew Bennett), parentes distantes mais velhos, mais abastados. Antes da narrativa aterrissar nessa informação, ela é precedida pelas cenas iniciais que contextualizam muito bem a quietude de Cáit: ela faz parte de uma família consideravelmente numerosa, com poucos recursos (financeiro, estrutura física, emocional) com mais uma criança a caminho, um pai alcoólatra e autoritário (o único a falar em inglês, o que expressa o conflito político dos anos de 1980 na Irlanda) e esta, por sua vez, mãe sobrecarregada e ausente. 

Isso reflete no desempenho de Cáit na escola e nas suas relações interpessoais: vai estudar sem tomar um café da manhã decente, não tem comida para levar para lanchar na escola e para uma garota da sua idade, ela não sabe ler muito bem, além de ser alvo fácil de olhares e comentários que caçoam dela. Seus olhos claros e grandes observam o mundo em sua volta, porém seus gestos contidos, seus silêncios, deixam claro que ela tem dificuldade em entendê-lo e elaborar o que pensa sobre ele. Apesar de ser diferente das suas 4 irmãs, seu destino já parece ser traçado pelo status geracional que permeia algumas falas do filme, como quando perguntam “Qual delas é essa?”, e a resposta é “A andarilha”, a identificando por uma característica do que pelo nome.

A profundidade da solidão e introversão de Cáin ganha dimensão quando ela recebe na casa de parentes o que não tinha em casa — atenção, paciência, alimentação de qualidade, privacidade, higiene, confiança nos adultos, e estímulos que a ajudam se desenvolver com cuidado, mas que ao mesmo tempo atiçam sua curiosidade para conseguir crescer com uma percepção mais aguçada do mundo em sua volta.

A Menina Silenciosa” também permite que, por intermédio dessas interações, das lacunas suportadas pelo silêncio, possamos entender e montar o quebra-cabeça da série de privações que Cáin passa em sua casa, e que a acompanharam até a casa de Eibhlin e Séan, fornecidas através de falas muito breves, mas que carregam um subtexto muito claro. A obra trabalha essa troca de dar e receber cometido e regrado tanto pela menina quanto pelo casal que a adota durante o verão; ambos os lados se adaptam, quebrando gradualmente uma certa resistência aqui e ali. Ao passo que a menina aprende a receber o mínimo, fica claro que a sua presença revitaliza a ausência de alguém que não recebeu em sua plenitude todo o cuidado direcionado à ela. 

As atuações também asseguram expressar apenas o necessário, de modo que todas as informações sejam dadas, tanto pelos diálogos quanto pelas interações entre o casal e a menina. Eles desenvolvem uma relação de mutualidade muito bonita, sincera e pautada em intenções genuínas de afeto, de resquício daquilo que não existe para ela (um lar estável, uma família) e no que já não fazia parte da vida deles (um filho, o qual morreu afogado). Dessa forma, ela floresce e eles têm a oportunidade de serem pais novamente. Fica claro que os três desenvolvem carinho, afinidade e amor um pelo outro tornando-se, de fato, uma família cujo cotidiano se dá pela participação ativa nas atividades uns dos outros.

Isso tudo é registrado sob a direção de fotografia de Kate McCullough (“Normal People”) que se atenta às belas paisagens do campo da Irlanda — quietas mas cheias de vida, prolongada pelos planos em câmera lenta — associando-as à menina nessa nova fase, na qual ela experiencia vitalidade e luto, respirando o ar fresco de uma vida possível. No entanto, as aulas vão começar e ela precisa voltar para casa. Seus cuidados temporários caminham para o fim de “A Menina Silenciosa”, tencionando o sentimento agridoce de tê-la visto amadurecer para potencialmente ter de se retrair a quem era antes dessa passagem. 

3 Nota do Crítico 5 1

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